O XIX Plenário do Conselho Federal de Psicologia (CFP) divulga a toda a categoria o documento “Demografia da profissão de psicóloga e psicólogo no Brasil” – iniciativa que pretende apresentar um diagnóstico técnico-científico sobre a formação e a carreira nesse campo no país.
O conteúdo, que tem como marco temporal a década compreendida entre 2013 e 2023, é resultado de um amplo estudo que teve como base de dados o Censo da Educação Superior, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), além de registros do próprio Sistema Conselhos de Psicologia, composto pelos conselhos Federal (CFP) e Regionais (CRPs).
Este primeiro relatório, de um total de quatro volumes que devem ser finalizados no próximo ano, analisa diversas questões relacionadas a quatro eixos estruturantes: a dinâmica da oferta de cursos e vagas; o perfil sociodemográfico de estudantes e concluintes; o desempenho acadêmico nos ciclos avaliativos do ENADE; e a inserção de psicólogas(os) no mercado de trabalho formal.
Virgílio Bastos, conselheiro do CFP, explica que o relatório, desenvolvido em parceria com a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), é produto de um grupo de trabalho (GT) sobre formação em Psicologia. Para o conselheiro federal, o conteúdo reflete um esforço de tornar disponívelpara as comunidades acadêmica e profissional dados e evidências sobre o processo de formação, a realidade do ensino em Psicologia no país e seus impactos no exercício profissional e na inserção no mundo do trabalho.
De acordo com Virgílio Bastos, pela primeira vez o CFP reúne e analisa, de forma sistemática e longitudinal, dados sobre a trajetória de 345 mil profissionais que se formaram entre 2013 e 2023. “Esse relatório nos revela transformações profundas na profissão. A expansão dos cursos, a feminização da Psicologia, as desigualdades regionais e raciais e os diferentes padrões de inserção profissional. Trata-se de uma fonte rica de informações para se pensar estratégias de como lidar com a formação”, destaca o conselheiro.
Principais evidências
– A década de 2013 a 2023 testemunhou a consolidação de um modelo de expansão do ensino superior em Psicologia fortemente ancorado no setor privado, com fins lucrativos, e na interiorização da oferta.
– A demografia discente da Psicologia brasileira sofreu alterações profundas impulsionadas por políticas de ação afirmativa e de financiamento estudantil. Embora o perfil elitista histórico da profissão tenha sido impactado, ainda não foi completamente rompido. Nesse sentido, a participação de pessoas negras (pretas e pardas) entre os concluintes triplicou na década analisada. No entanto, a análise granular revela uma “inclusão estratificada”. O crescimento da presença negra é mais acentuado nas instituições privadas beneficiárias de financiamento estudantil e nas faixas de renda familiar mais baixas.
– A Psicologia mantém-se como uma profissão estruturalmente feminina, com mais de 80% de mulheres entre os concluintes. Apesar disso, as mulheres não ocupam proporcionalmente os topos das hierarquias salariais e acadêmicas.
– As instituições privadas, muitas vezes criticadas, estão absorvendo estudantes com maiores lacunas educacionais de origem. O desempenho inferior no ENADE reflete, em parte, essa dívida educacional pregressa. Contudo, o diferencial negativo significativo das privadas com fins lucrativos, mesmo após controles, sugere que o modelo de negócio focado em volume e redução de custos docentes têm impacto deletério na aprendizagem final.
– A análise de sobrevivência nos empregos (tempo de permanência) mostra uma alta rotatividade, especialmente no setor privado e no terceiro setor (Organizações Sociais de Saúde). Os dados sugerem uma “uberização” disfarçada, com contratos intermitentes ou de curta duração tornando-se a norma em muitos serviços terceirizados de saúde e assistência social, comprometendo a continuidade do vínculo terapêutico, elemento central da qualidade do serviço psicológico.
– No tocante a questões de gênero, homens ganham mais que mulheres na Psicologia, e essa vantagem salarial aumenta com a idade e o tempo de carreira.
– No recorte racial, profissionais negros recebem significativamente menos que brancos, e uma parte substancial dessa diferença não pode ser explicada por variáveis observáveis como idade, região ou tipo de emprego.
“Para o Sistema Conselhos, os dados aqui apresentados não são apenas indicadores, são evidências de riscos regulatórios. A persistência de hiatos salariais de gênero e raça, mesmo após controles estatísticos robustos, aponta para mecanismos de discriminação que demandam intervenção institucional. A concentração de estudantes em instituições com menores índices de desempenho acadêmico e suporte docente também sugere a necessidade de novos parâmetros de fiscalização e indução de uma formação de maior qualidade. Este relatório, portanto, articula o diagnóstico técnico com uma agenda de ação política, visando transformar a inteligência de dados em soberania profissional”, destaca o documento.
Acesse aqui a íntegra do relatório.