O assassinato do cineasta Eduardo Coutinho, no dia 2 de fevereiro, reabriu na sociedade uma discussão: o tratamento da esquizofrenia. Coutinho foi morto pelo filho que sofre com a doença e confessou ter esfaqueado o pai e a mãe – que sobreviveu -, além de ter dado golpes em si mesmo.
Não se pode afirmar que o fato foi causado pela doença e nem que Daniel Coutinho estaria em “surto” no momento do crime. Vale, entretanto, explicar a importância do acompanhamento psicológico dos portadores da esquizofrenia e frisar que a internação não é necessariamente o caminho. O tratamento deve ser realizado respeitando as diretrizes da Lei 10.216/2001, que preconiza o cuidado em meio aberto, sendo a internação o último recurso.
A discussão acerca do tema “saúde mental” é complexa e exige constantes reflexões de todos os atores envolvidos: instituições públicas, famílias, sociedade. É preciso desconstruir mitos que envolvem a doença mental e abrir espaços para reflexão, de forma a construir alternativas à internação.
Historicamente, o Movimento da Luta Antimanicomial teve início nos anos 1970 com o objetivo de combater as verdadeiras barbáries que aconteciam nos hospitais psiquiátricos – instituições criadas para ocultar transtornos de conduta e do pensamento.
A reforma psiquiátrica questionou o modelo de instituição asilar, restritiva e segregatória, na qual prevalecia o saber médico e a adoção de práticas focadas na moderação de comportamentos excêntricos.
Nesse contexto de violação dos direitos humanos, buscou-se pensar em uma política de atenção à saúde mental constituída por uma rede comunitária de cuidados, guiada pela lógica da inclusão e da reinserção social, humanizando a assistência. Ademais, procurou-se incentivar a adoção de alternativas terapêuticas, não apenas medicamentosas, em prol da reabilitação ativa dos doentes mentais.
Dentre as conquistas desse Movimento, destacam-se: a construção coletiva de diretrizes de uma política de saúde mental nos processos de Conferências de Saúde Mental; a promulgação da Lei 10.216, em 04 de junho de 2001, que redireciona o modelo assistencial e define como prioridade o tratamento em serviços comunitários; o fechamento de 70 mil leitos psiquiátricos no país; a reversão do financiamento manicomial; a proposição de um referencial epistemológico e de um modelo técnico assistencial que visam garantir direitos e qualidade de vida para milhares de usuários.
Contudo, apesar de todas as lutas na esfera política e ideológica, ainda predomina no Brasil o modelo hospitalocêntrico. Dessa forma, o Conselho Federal de Psicologia posiciona-se contra este modelo retrógrado de assistência em saúde mental e defende a reconstrução de um pensamento que exige mais participação, compromisso e inclusão.
O CFP acredita em políticas e ações de respeito à diferença e a preservação da identidade e cidadania, de forma a transformar a relação da sociedade com a “loucura”, combatendo o preconceito e a exclusão social.
Para tanto, propõe a desmanicomialização da assistência, a multidisciplinaridade e intersetorialidade do acompanhamento profissional, a realização de campanhas educativas de combate a estigmas, bem como a reinserção do doente mental na sociedade, a partir de seu acolhimento por meios eficazes de tratamento, que excluam o enclausuramento.
Salienta-se que a psicoterapia tem se mostrado um importante recurso terapêutico para as patologias mentais ao oferecer continência, suporte e informações sobre a doença. O acompanhamento psicológico auxilia na identificação de fatores estressores e busca instrumentalizar o paciente a lidar com os eventos da vida; possibilita ainda integrar a experiência psicótica no contexto de vida do paciente; diminui o isolamento; permite a conquista de maior autonomia e independência; e possibilita a observação do paciente.
Assim, a vinculação da esquizofrenia com o risco de cometimento de assassinatos resgata uma visão reducionista do fenômeno, como têm acontecido em recentes veiculações sobre a morte do cineasta Eduardo Coutinho.
Destaca-se que o acompanhamento do sujeito com esquizofrenia pela família, por profissionais da saúde e pela comunidade oferecem possibilidades de redução de risco de surto, bem como possibilidades de medidas protetivas (tanto para o sujeito doente, quanto para os familiares) no caso de ocorrência de surtos.