O Conselho Federal de Psicologia (CFP) interpôs, na tarde desta quinta-feira (21/9), no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, agravo de instrumento contra a liminar concedida parcialmente, em 15 de setembro, pelo juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da Seção Judiciária do Distrito Federal, relacionada à Resolução CFP 01/99.
A decisão liminar, proferida a partir de uma ação popular, manteve a integralidade do texto da Resolução 01/99 – norma que orienta os profissionais da área a atuar nas questões relativas à sexualidade –, mas determinou que o CFP a interprete de modo a não proibir que psicólogas (os) façam atendimento de (re) orientação sexual. “Entendemos que esta liminar não agrega nenhum benefício para a discussão da causa e ainda traz graves prejuízos à população LBGT. Consideramos que, neste caso, a interferência extrapola a competência do Judiciário, ao dizer como um conselho profissional deve interpretar a sua própria norma”, afirmou Rogério Giannini, presidente do CFP.
De acordo com Pedro Paulo Bicalho, diretor-secretário do CFP, essa decisão se apresenta como um paradoxo, porque, ao mesmo tempo, mantém o texto da resolução, mas a descaracteriza ao reconhecer a (re) orientação sexual como possibilidade de intervenção dos psicólogos. “Mantém-se viva uma resolução, constituindo-a como uma letra morta”, afirmou. A Resolução 01/99 do CFP não somente ratifica a ideia – defendida pela Organização Mundial da Saúde desde 1990 – de que a homossexualidade não é patologia, mas também coloca que a homossexualidade não representa distúrbio ou desvio psicológico e, portanto, não cabe reorientação.
No agravo, o CFP argumenta, inicialmente, que, do ponto de vista processual, a “ação popular” não é o meio adequado para questionar o teor de um ato normativo de uma autarquia federal. Esse entendimento, inclusive, já está pacificado em diversas decisões das cortes judiciais superiores (Superior Tribunal de Justiça – STJ e Supremo Tribunal Federal – STF). Também entende que a liminar se equivoca ao tentar substituir a competência do CFP – estabelecida pela Lei Federal nº 5766/1971 – de regular tecnicamente os limites éticos para a atuação das psicólogos e psicólogas
brasileiros, em território brasileiro.
Além disso, o CFP aponta a temeridade de uma decisão sobre um tema sensível e técnico como o da Resolução 01/99, vigente há mais de 18 anos, ser proferida de forma liminar, sem uma análise mais aprofundada e sem considerar as repercussões imediatas no exercício profissional das mais de 300 mil psicólogas e psicólogos brasileiros.
Pesquisas científicas – Outro argumento da ação popular que o CFP refuta com veemência é o de que a Resolução 01/99 impediria o avanço de pesquisas científicas na área da sexualidade. Esse argumento não tem qualquer sustentação tendo em vista que o CFP, assim como todos os conselhos profissionais, não tem a competência de regular pesquisas científicas. Essa prerrogativa cabe à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, por meio da Resolução 466/2012. Cabe ressaltar que o vocábulo “pesquisa” sequer é citado no texto da resolução.
Além disso, estudos mostram que o número de pesquisas no campo da sexualidade aumentou consideravelmente nos últimos 18 anos. Isso demonstra que, desde sua publicação, a Resolução 01/99 não exerceu qualquer influência na liberdade de pesquisa por parte dos profissionais da Psicologia.
O CFP afirma que, ao contrário do que alega a ação inicial, a Resolução 01/99, em nenhum momento da sua história, impediu ou restringiu o atendimento psicológico a pessoas de qualquer orientação sexual – homo, hetero ou bissexual. O limite ético desses atendimentos se dá na proibição de práticas relacionadas à reorientação sexual.
A vice-presidente do CFP, Ana Sandra Fernandes, explica que não existe por parte do Conselho Federal nem de qualquer Conselho Regional de Psicologia a proibição de que psicólogas (os) façam atendimentos de pessoas, inclusive as que desejam e querem trabalhar questões relativas à sexualidade. “O que a Resolução 01/99 procura evidenciar é que não cabe às psicólogas (os) brasileiras (os) o oferecimento de qualquer tipo de terapia de reversão da homossexualidade, por entendermos que não se trata de processo a ser corrigido, mas da diversidade de expressões da sexualidade”.
Legalidade – O CFP também reforça no texto do agravo de instrumento que a legalidade e constitucionalidade da Resolução 01/99 já foram analisadas em profundidade pelo Judiciário. Em decisão proferida em 23 de julho de 2012, o Tribunal Regional Federal da 2ª região (Rio de Janeiro) ratificou a constitucionalidade e legalidade da aplicação da Resolução 01/99.
Na própria audiência de justificativa prévia, no último dia 15 de setembro, o Ministério Público Federal se manifestou contrário à suspensão da Resolução 01/99. O representante do MPF disse que o órgão já analisou processos disciplinares relacionados à Resolução 01/99 e pôde de confirmar a legalidade e constitucionalidade da norma.
O CFP também refutou a acusação de que profissionais da Psicologia estariam sendo perseguidos por conta da aplicação da Resolução 01/99. Os números demonstram que a resolução tem um caráter muito mais educativo do que punitivo. Nos últimos cinco anos (2012 a 2017), do total de 260 processos éticos julgados pelo CFP, somente três estão relacionados à Resolução 01/99, o que representa menos de 2% do total.
O CFP lembrou, ainda, os impactos positivos que a Resolução 01/99 produz no enfrentamento aos preconceitos e na proteção dos direitos da população LGBT no contexto social brasileiro, que apresenta altos índices de violência e mortes por LGBTfobia. A estatística aponta que, somente no ano de 2016, foram registrados 343 homicídios motivados por preconceito contra pessoas LGBT. “Neste país que se constitui como campeão na quantidade de pessoas assassinadas por orientação sexual, não cabe à Psicologia brasileira a produção de mais violência, mais exclusão e mais sofrimento a essa população já suficientemente estigmatizada”, enfatizou Pedro Paulo.