Foi lançado nesta segunda-feira (2), o Relatório de Inspeção Nacional em Hospitais Psiquiátricos no Brasil, na Procuradoria-Geral do Trabalho, em Brasília. O documento evidencia graves situações de violação de direitos, tratamento cruel, desumano e degradante, assim como indícios de tortura a pacientes com transtornos mentais nessas instituições.
Esta é uma iniciativa conjunta do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Regionalmente, as inspeções foram coordenadas pelos Conselhos Regionais de Psicologia, Ministérios Públicos Estaduais e Ministérios Públicos do Trabalho (MPT) estaduais.
A publicação consolida um importante trabalho de campo, de imersão à realidade vivida do sistema público de saúde a pacientes psiquiátricos. Ação articulada inédita, as inspeções a hospitais psiquiátricos foram realizadas, em âmbito nacional, entre os dias 3 e 7 de dezembro de 2018. Foram vistoriadas 40 instituições psiquiátricas, em 17 estados das cinco regiões do Brasil. A ação traz impactos benéficos para muitos sujeitos que terão, pela primeira vez, suas vozes ouvidas pelas instituições, além de ajudar a refletir sobre o modo como o Estado brasileiro tem tratado pessoas em sofrimento mental.
Durante a cerimônia de lançamento da publicação, o psicólogo e presidente do Conselho Federal de Psicologia, Rogério Giannini, reforçou a importância da participação do Sistema Conselhos de Psicologia na produção desse relatório de inspeções a hospitais psiquiátricos, assim como nos últimos três anos, em ações como as inspeções às Comunidades Terapêuticas, realizada em 2017. Ele ressaltou também a capilaridade do Sistema Conselhos nesse trabalho e lembrou que o CFP compõe, junto às demais instituições envolvidas nas inspeções, um grande bloco na sociedade na área da Saúde Mental, que é o campo antimanicomial. Ele destacou, ainda, a importância da participação do MPT nesse trabalho. “Foi muito importante trazer esse olhar sob a condição do trabalho das pessoas que atuam nesses equipamentos públicos inspecionados”.
Dados gerais do relatório
O relatório aponta que pelo menos 1.185 pessoas estão internadas em condição de longa permanência nos hospitais psiquiátricos brasileiros. 82,5% dos hospitais inspecionados mantém pessoas moradoras, havendo uma criança de 10 anos e uma idosa de 106 anos nessa condição, ambas mulheres, num mesmo hospital de São Paulo.
O documento mostra que 52% das Instituições inspecionadas em dezembro de 2018, foram inauguradas durante a ditadura militar no Brasil. 83% destas unidades são privadas, a maioria delas sem fins lucrativos.
No que diz respeito ao direito à um padrão de vida adequado, 45% das unidades estão com falta ou compartilhamento de insumos básicos de higiene, banheiros sem porta e banho frio.
Em 40% dos casos essas pessoas sofrem restrição de acesso aos ambientes de convivência e lazer, além de ficarem também muitas vezes isoladas de seus familiares. 87% dessas pessoas sofrem violações de livre acesso ao contato com familiares durante a internação.
O direito de exercer a capacidade civil, liberdade e segurança pessoal também está entre os direitos violados encontrados pelos peritos, com situações como de internação compulsória realizada de maneira arbitrária ou ilegal, além de indícios de sequestro, cárcere privado e apropriação indevida de recursos financeiros das pessoas internadas nessas instituições.
Segundo o relatório, pessoas internadas em hospitais psiquiátricos são submetidas à medicação excessiva, à contenção mecânica diárias e ao isolamento em quartos sem nenhum suporte. Foram encontradas situações de violências como estupro, lgbtfobia, revista vexatória e intolerância religiosa.
O documento retrata ainda a exploração da mão de obra de pessoas internadas, assim como a internação de crianças e adolescentes nessas instituições.
Iniciativa conjunta e inédita
O perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Lúcio Costa, afirmou que o documento é muito importante para melhorar a saúde pública do Brasil e que essa iniciativa é fruto de vários olhares, várias perspectivas. Ele explicou que o relatório não é acadêmico e nele foram utilizados como parâmetros o ordenamento jurídico brasileiro e o internacional. “Foram mais de 500 pessoas envolvidas nas inspeções, sendo este um material inédito, inclusive, na sua perspectiva analítica”.
A coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Combate às irregularidades Trabalhistas na Administração Pública (Conap), do MPT, Ana Cristina Toches Ribeiro, relatou que as inspeções contaram com uma força-tarefa, composta não só de procuradoras(es) do trabalho e peritos do MP, especializada em segurança e medicina do trabalho, como também de entidades parceiras. “Foram identificadas irregularidades gravíssimas, em saúde e segurança do trabalho, no dimensionamento das equipes de trabalho, descarte inadequado de resíduos, desvio de recursos públicos, entre outras”.
A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Carolina Mercante, acompanhou as inspeções e apresentou ao público dados sobre a exploração do trabalho nos hospitais psiquiátricos, além de reforçar que essas instituições possuem características asilares e de privação de liberdade, não podendo ser consideradas como instituições de saúde.
O promotor de justiça do estado de Minas Gerais, membro auxiliar da Comissão de aperfeiçoamento da atuação do Ministério Público na Saúde do CNMP, Daniel dos Santos Rodrigues, destacou a importância de lançar o relatório nesse momento atual, de retrocessos de direitos. Para ele, essa atividade congrega várias instituições pela defesa da Constituição e dos mais vulneráveis. “Esse trabalho reúne insumos para que possamos levar a proteção de direitos dessas pessoas”.
A deputada Erika Kokay também esteve presente no lançamento do relatório e lembrou a problemática conjuntura atual do país, além de afirmar que apresentará o relatório à Câmara dos Deputados. Lembrou, ainda, do recente ataque ao MNPCT. “Todos os dias percebemos a ruptura com as instituições democráticas. Se não tem o contraponto, isso se impõe para os trabalhadores e trabalhadoras”. A deputada lembrou a existência dos holocaustos manicomiais, que precisam ser reconhecidos como tal, reforçando a necessidade da Reforma Psiquiátrica, que não existe sem democracia. “Essas instituições não devem existir, pois não existem hospitais psiquiátricos humanizados”.
Leia a publicação na íntegra: Hospitais Psiquiátricos no Brasil: Relatório de Inspeção Nacional