Os mitos e verdades que rondam a proposta de redução da maioridade penal no Brasil foram debatidos ontem (31) por especialistas da Psicologia, do Direito Constitucional e representantes do Governo Federal e do Conselho Federal de Psicologia (CFP). No dia em que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) aprovou a admissibilidade da PEC 171/93, os presentes elencaram alguns motivos pelos quais centenas de entidades da sociedade civil se posicionam contrariamente à redução da maioridade de 18 para 16 anos.
No debate, realizado em Brasília e acompanhado por mais de mil internautas, os convidados confrontaram dados e informações que têm sido difundidos pela grande mídia, por defensores da redução da maioridade e por parlamentares no Congresso Nacional, e destacaram que as instituições deveriam seguir pelo caminho oposto, o da proteção integral dos direitos desta população.
Dentre os argumentos dos defensores da redução apresentados no debate, está o de que o crescimento da violência seria proporcional ao aumento dos crimes cometidos por jovens, e a medida da redução sanaria a incapacidade do Estado em responsabilizar penalmente os menores. “Isto não confere com dados: o percentual mínimo de crimes, violentos ou não, cometidos por crianças e adolescentes, são de menos de dois dígitos. Este argumento, por si só, não justificaria a redução da maioridade penal. É injustificável e inaceitável”, disse o psicólogo Rodrigo Tôrres, membro do coletivo ampliado do CFP. A Fundação Abrinq, por meio de nota técnica, mostra que a população de adolescentes restritos e privados de liberdade representa 3,8% do total de presos no país. Em 2011, 38,1% dos atos infracionais cometidos por adolescentes privados de liberdade referiam-se a roubos, seguido pelo tráfico de drogas (26,6%). Os atos infracionais que atentam contra a vida representam 11,4%, somando-se a esse total os casos de tentativa de homicídio.
José Luís Quadros de Magalhães, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destacou que a tendência de criminalização na qual a sociedade se esgueira somente aumentará a necessidade da presença de fiscalização do Estado, que, segundo ele, já se mostra incapaz de atender as demandas criminais e prisionais. “A redução da maioridade penal representa uma irresponsabilidade, mesmo dentro do pensamento conservador. Os presídios estão superlotados e a redução da maioridade significará aumentar essa fila. Mesmo na lógica conservadora, isto é uma irresponsabilidade”, disse, lembrando, ainda, que a polícia consegue resolver 7% dos casos criminais no país.
Ele destacou que as sociedades atuais apostam no controle sobre o comportamento das pessoas e que a Ética está perdendo espaço para o Direito Penal. “Estamos apostando em uma sociedade de controle, como século 19 – com a Reforma Urbana de Paris, com o aumento do Direito Penal. Não há nada de novo nesses discursos que são colocados como novos. É o velho que já não funcionou que vem vestido de novo. O aumento de controle não significa que as pessoas irão parar de cometer atos ilícitos, não evitará as tentativas”, defendeu Magalhães.
A não identificação das razões da violência, para os debatedores, não descontrói os fatos geradores de insatisfação, que continuarão incitando mais violência. Os debatedores destacaram a importância do aprofundamento e da ampliação das discussões acerca das causas dos problemas da violência no país e criticaram o papel exercido pelos parlamentares brasileiros e pela mídia neste sentido. “O Congresso está nos levando, talvez de maneira irresponsável, mas nem tão intencional, ao caos. Essas teses conservadoras nos levarão ao caos”, disse Magalhães. “O que estamos vendo é que o Congresso não envolve a população na discussão, e nós temos meios de comunicação extremamente concentrados. Assim, a gente nem sequer atenta para as violências que são permanentes, como as violências nas relações sociais, econômicas e simbólicas, como o machismo, no racismo”, destacou. “Para o CFP, atacar o indivíduo, desconsiderando as causas da violência e da criminalidade, é a resposta irracional ao apelo da sociedade”, afirmou a presidente do CFP, Mariza Borges.
Para a Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, Angélica Moura Goulart, as estatísticas deveriam ser balizadoras da discussão. “Temos um conjunto de argumentos, dados e, se nos debruçarmos sobre eles, vamos concluir que não podemos admitir esse retrocesso. Um país ético não abandona seus filhos”. Ela lembra que destacou que a população de adolescentes entre 12 a 20 é de cerca de 30 milhões de pessoas (IBGE). “A letalidade que atinge nossa juventude deveria ser o tema de debate do nosso Congresso Nacional. A verdade é que os nossos jovens estão morrendo em numero muito maior do que de fato estão cometendo atos contra a vida. Há de haver um equilíbrio nesta discussão”. Ela lembrou, ainda, que a juventude morta hoje no país é negra, mora em periferia e tem baixa escolaridade. “Dentro deste contexto de clamor social, são os nossos adolescentes que vão, ao final de tudo, pagar essa conta”, declarou.
A psicóloga Maria José Gontijo Salum reforçou o posicionamento de Goulart: “A gente sabe que a trajetória da grande maioria dos adolescentes em conflito com a lei tem o mesmo percurso. Eles estão na mesma condição: têm famílias em condição de vulnerabilidade e exclusão e evasão da escola na adolescência. Em muitos casos, encontrar um educador no cumprimento da medida permitiu ao adolescente voltar ao caminho e se interessar pelos estudos, por um curso profissionalizante, refazer vínculos. Não é fácil, mas é preciso apostar”. Ela destacou, ainda, o papel da família na educação e na transmissão de valores, ideais, identificações e afeto, e defendeu o atual sistema de responsabilização dos adolescentes que cometem delitos, respaldado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Deve-se saber que inimputabilidade não é o mesmo de impunidade”.
A Psicologia e a defesa das crianças e adolescentes
A presidente do CFP, Mariza Borges, reforçou o posicionamento da autarquia contrário à redução da maioridade penal, baseado nas decisões históricas dos profissionais da área, há anos, nos congressos estaduais, regionais e nacional. “Há anos o CFP tem se pronunciado contra a redução da maioridade penal, com base em argumentos fortes, em cima de produção científica, na observação da experiência de outros países, além da própria experiência dos (as) profissionais psicólogos (as) que trabalham na ponta. Não podemos pensar que a redução será a solução para a criminalidade. Isto seria uma falsa causa”, disse. Ela também convocou toda a categoria a debater e aprofundar as discussões sobre o tema. “Temos defendido esta posição em todas as instâncias nas quais temos representação. Agora é a hora de falar mais sobre isso, pois o mérito está sendo discutido”.
Participaram do debate Angélica Moura Goulart, Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, Mariza Borges, presidente do CFP, e os membros da Comissão de Psicologia Jurídica do CFP, Rodrigo Tôrres e Maria José Gontijo Salum, além de José Luís Quadros de Magalhães, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
As perguntas realizadas durante o evento serão respondidas nos próximos dias.
Assista ao vídeo completo: “Mitos e Verdades sobre a Redução da Maioridade Penal”