Não há relação unicausal entre aborto e saúde mental

Em consideração às afirmações feitas durante audiência pública sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Federal (ADPF) 442 de que o aborto em si produz adoecimento psíquico, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) reafirma a impossibilidade de estabelecimento de relação unicausal entre o aborto em si e saúde mental das mulheres. A avaliação cientificamente informada do grupo de trabalho sobre saúde mental e aborto da Associação Americana de Psicologia (APA) indicou limitações metodológicas de estudos que tentam inferir tal premissa.

Ao privilegiarmos a singularidade do sujeito, observamos que a experiência com o aborto é vivenciada de modo diverso pelas mulheres, sobretudo considerando marcadores relevantes na conformação de tal prática, como classe, raça, gênero, orientação sexual, idade e região. Entretanto, ressaltamos que o modo estigmatizante com que o aborto é tratado, por parte da sociedade, pode se configurar como fator de risco para a saúde integral das mulheres que realizam aborto no Brasil.

A conselheira Sandra Sposito e a psicóloga e pesquisadora sobre moralidades, saúde mental e aborto Letícia Gonçalves representaram o CFP na audiência pública realizada, dias 3 e 6 de agosto, na sede do Supremo Tribunal Federal.

Leia mais

Argumentos para descriminalizar e legalizar o aborto no Brasil

Argumentos para descriminalizar e legalizar o aborto no Brasil

“Por que a Psicologia brasileira é favorável à legalização e à descriminalização do aborto? Porque o aborto mobiliza elementos socioculturais estruturantes e violentos na sociedade e promove sofrimentos e fragilidades nas mulheres que o praticam. E isso tem a ver com a Psicologia: onde há opressão, onde há violência que subjuga, que provoca sofrimento.” Assim, a psicóloga Sandra Sposito, integrante do Conselho Federal de Psicologia (CFP), fez a defesa da posição institucional sobre o tema em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF).

Sandra Sposito participou, junto com a psicóloga Letícia Gonçalves, nesta sexta-feira (3), da Arguição de Descumprimento de Preceito Federal (ADPF) 442, que trata da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A defesa do ponto de vista do CFP foi transmitida pelo site institucional.

O CFP foi uma das 47 instituições e entidades selecionadas a apresentar argumentos sobre aspectos interpretativos dos arts. 124 e 126 do Decreto-lei nº 2.848/1940 (Código Penal), que tratam do aborto. Os critérios de seleção foram a representatividade técnica, a atuação ou expertise e a garantia da pluralidade e paridade da composição da audiência.

O aborto

No Brasil, o aborto é permitido em somente em gravidez resultante de estupro, em casos de risco de vida para a gestante e em anencefalia fetal.

Segundo o Ministério da Saúde, é a terceira causa de mortalidade da mulher, apesar de o país ter uma das maiores coberturas de métodos contraceptivos no mundo: 269 milhões de contraceptivos foram entregues à população nos últimos 17 anos. Esta cobertura, inclusive, fez a taxa de fecundidade nacional cair em 2017: 1,67% filho por mulher de 15 a 49 anos, abaixo da taxa de reposição recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Casos de aborto inseguro geram, ainda, uma sobrecarga para o Sistema Único de Saúde (SUS), com 250 mil hospitalizações por ano, das quais 15 mil complicações graves e 5 mil extremamente graves. O resultado é uma morte a cada dois dias.

Transexuais

É papel da Psicologia, como ciência e profissão, estudar a subjetividade humana, cuidar das pessoas e das coletividades em suas vulnerabilidades, sofrimentos e conflitos. Também é seu papel dar suporte no âmbito da saúde mental, nos processos de promoção de autonomia e cidadania. “O gênero feminino, historicamente associado à maternidade compulsória, socialmente responsável isoladamente pelos processos reprodutivos, responsável moralmente pela educação e cuidado dos filhos, vem buscando transcender esse aprisionamento nos papéis de gênero atribuído a elas. Numa luta histórica para se desvincular do lugar de domesticação, dependência e subalternidade”, explica Sposito.

Ao apresentar a posição da Psicologia, Sposito também falou que a gravidez e a escolha em mantê-la ou não também é um direito a ser garantido aos homens transexuais, que, apesar de pertencerem ao gênero masculino, podem permanecer com suas capacidades reprodutivas preservadas.

“Impedir o aborto, criminalizá-lo, é manter o lugar de não autonomia das mulheres e homens trans que desejem interromper uma gravidez. E mais do que isso, é impedir cidadania, é promover marginalização e estigmatização.”

Singularidade do sujeito

Letícia Gonçalves, por sua vez, disse que estudos brasileiros que privilegiam a singularidade do sujeito têm revelado dimensões importantes sobre aborto e sofrimento psíquico. Pesquisas de Daniela Pedroso e Francisco Viana com serviços de aborto legal indicam que, em condições adequadas, a interrupção voluntária da gestação tem significativo potencial de sensação de alívio, por parte das mulheres, bem como de retomada das dimensões cotidianas de trabalho e relacionais. Mesmo assim, sentimentos de incômodo foram relatados frente aos estigmas que significam o aborto, para parte da população.

Ela conta que, em casos nos quais a gravidez é resultante de estupro, há observância de reações diferentes daquelas que intencionam inferir que o aborto em si produz adoecimento psíquico. “Revela a multiplicidade das experiências subjetivas com a realização do aborto.”

Estudos que relacionam aborto e estigma social, diz Letícia, mostram a relevância de se considerar normas e estereótipos de gênero como produtores de estigmas sociais, que colocam mulheres que abortam em posições de inferioridade. “O estigma se apresentaria em três dimensões: a percepção da sua existência, a experiência com a discriminação que ele produz e a internalização pela mulher, produzindo sentimentos tais como culpa e vergonha. Desta maneira incorpora as dimensões sociais e culturais na produção de saúde ou adoecimento.”

Livre exercício da sexualidade

Em seus estudos sobre moralidades e aborto, Letícia fez um mapeamento das posições públicas sobre a questão e chama a atenção para a análise de dados sobre o que têm sido dito sobre, não só o aborto, mas sobre o livre exercício da sexualidade pelas mulheres, exercício este que não é crime no Brasil.

Para Letícia, ao exercício da sexualidade das mulheres têm sido atribuídos adjetivos que as caracterizam como irresponsáveis e promíscuas, e à deliberação sobre o aborto outros adjetivos, como assassinas, monstruosas, criminosas. “Estas posições performáticas são violências psicológicas contra as mulheres e atribuo a isto boa parte dos fatores de risco que podem não somente produzir algum dano psíquico às mulheres cisexuais, como impedir o acesso a estas e aos homens trans sexuais aos cuidados integrais à saúde.”

Sandra Sposito e Letícia Gonçalves defenderam, em nome do CFP, a ADPF 442, mostrando-se contrárias às violências psicológicas que produzem iniquidades de classe, gênero, raça, idade, região e orientação sexual no Brasil.

Histórico

O Sistema Conselhos de Psicologia, que representa mais de 317 mil profissionais da área, é gerido de forma democrática e representativa e desde 2010 vem se manifestando publicamente em defesa da legalização do aborto: “Os/as delegados/as do VII Congresso Nacional de Psicologia vêm manifestar seu apoio à legalização da prática do aborto no Brasil, independente de a gravidez ser decorrente de violência ou haver risco de morte para a mulher”.

Em 2012, a Psicologia reafirmou sua posição, por ocasião de proposta de juristas e parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) a respeito da revisão do Código Penal, no que se refere à descriminalização do aborto no país.

 

 

CFP defende descriminalização e legalização do aborto no Brasil

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) se posiciona a favor da descriminalização e legalização do aborto no Brasil, pois entende que a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres faz parte da defesa dos seus direitos humanos. Representantes da instituição vão apresentar os argumentos sobre aspectos interpretativos dos arts. 124 e 126 do Decreto-lei nº 2.848/1940, o Código Penal brasileiro, que versam sobre aborto, no dia 3 de agosto de 2018, durante audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF).

A audiência resulta da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A relatora da ação, requerida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), é a ministra Rosa Weber, que deferiu a participação de 47 instituições, segundo critérios de representatividade técnica, atuação ou expertise e garantia da pluralidade e paridade da composição da audiência.

Assista a audiência pela TV Justiça, que será realizada, dias 3 e 6 de agosto, das 8h40 às 12h50 e das 14h30 às 18h50, no anexo II-B do STF, sala da Primeira Turma. A participação do CFP será no dia 3, às 11h30, com duração aproximada de 20 minutos, e transmissão ao vivo pelo site e redes sociais do CFP.

Estatísticas

No Brasil, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 31% dos casos de gravidez terminam em abortamento (quase três em cada dez mulheres grávidas abortam). As estimativas do Ministério da Saúde mostram que, todos os anos, ocorrem cerca de 1,4 milhão de abortamentos espontâneos ou inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos.

Dados de 2016, da Pesquisa Nacional de Aborto, de autoria de Debora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiro, revelam que, aos 40 anos, quase uma em cada cinco mulheres brasileiras fez um aborto. Em 2015, foram cerca de meio milhão de abortos no país. Segundo os pesquisadores, o aborto é frequente na juventude, mas ocorre também com frequência entre adultas jovens. “Essas mulheres já são ou se tornarão mães, esposas e trabalhadoras em todas as regiões do Brasil, todas as classes sociais, todos os grupos raciais, todos os níveis educacionais e pertencerão a todas as grandes religiões do país. Isto não quer dizer, porém, que o aborto ocorra de forma homogênea em todos os grupos sociais.”

Pela vida das mulheres

A sociedade civil está mobilizada e organizou o “Nem presa, nem morta, Festival Pela Vida das Mulheres”. O evento vai reunir pessoas de todo o Brasil, entre 3 e 6 de agosto, no Museu Nacional Honestino Guimarães, em Brasília. Rodas de conversa, espaços de acolhimento, oficinas, manifestações culturais e artísticas, projeção da audiência ao vivo e shows. Veja a programação. Participe e marque presença no evento. (Inserir link do evento https://www.facebook.com/events/1679233825465542/)

Audiência pública sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação

Data: 3 de agosto de 2018 (sexta-feira)
Hora: 11h30
Como assistir: www.cfp.org.br

Leia a Carta de Posicionamento do Conselho Federal de Psicologia

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) se posiciona a favor da descriminalização e legalização do aborto no Brasil, pois entende que a defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das mulheres faz parte da defesa dos seus Direitos Humanos. A autonomia das mulheres sobre seus corpos deve ser ampliada para que as mesmas tenham condições de decidir ou não interromper uma gravidez. A Psicologia deve se posicionar agindo sobre as situações que favorecem situações de vulnerabilidade social e psicológica, que provocam intensas situações de sofrimento psíquico, como é o caso da manutenção de uma gravidez que não foi escolhida pela gestante. Atualmente, o aborto no Brasil é crime previsto no artigo 128, incisos I e II do Código Penal Brasileiro. A lei data da década de 20 e autoriza a interrupção da gestação em apenas dois casos: risco de vida para a mãe e/ou estupro.

Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto Guttmacher, nos Estados Unidos, chamado Aborto Induzido: Incidências e Tendências pelo Mundo de 1995 a 2008, revelou que as interrupções de gravidez sem assistência clínica – ou seja, de risco e clandestinas – aumentaram de 44 para 49 por cento e que 220 em cada cem mil mulheres acabam morrendo, principalmente no continente africano. O estudo foi publicado no periódico The Lancet.

Segundo o estudo, em todo o mundo, os abortos inseguros foram a causa de 220 mortes por 100 mil procedimentos em 2008 – 35 vezes mais do que a taxa de abortos legais nos Estados Unidos – e de quase uma em cada sete do total de mortes maternas. As regiões que correm mais riscos de aborto inseguro são a América Central e do Sul, além da África Central e ocidental, onde 100% de todas as interrupções da gravidez foram inseridas nesta categoria. Anualmente, cerca de 8,5 milhões de mulheres em países em desenvolvimento sofrem complicações sérias decorrentes do aborto sem condições de segurança.

O relatório também alertou sobre o uso crescente do medicamento chamado misoprostol, utilizado no tratamento de úlceras gástricas. Apesar de ser ilegal, seu uso tem aumentado em países onde há leis restritivas ao aborto.
No Brasil, a OMS estima que 31% dos casos de gravidez terminam em abortamento (quase três em cada dez mulheres grávidas abortam). Já conforme estimativas do Ministério da Saúde, todos os anos ocorrem cerca de 1,4 milhão de abortamentos espontâneos e ou inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos.

Com base nestes dados, percebemos que a lei atual impede que estas mulheres tenham direito a sua cidadania e aos seus direitos humanos sexuais e reprodutivos, direitos estes estabelecidos por importantes Conferências Internacionais de Direitos Humanos que produziram Documentos dos quais o Brasil é signatário.

Sabe-se que a lei que criminaliza o aborto não impede, ou sequer reduz a sua incidência, e não dá conta da complexidade da temática da questão. O debate sobre a liberdade de optar por não seguir com a gestação é distante da realidade e necessidades das mulheres.

O CFP se posiciona conforme os Tratados Internacionais assinados pelo Estado brasileiro, nos quais o governo se compromete a garantir o acesso das mulheres brasileiras aos direitos reprodutivos e aos direitos sexuais, referendando a autonomia destas frente aos seus corpos.

O conselho também segue os encaminhamentos do VII Congresso Nacional de Psicologia (CNP), entre eles a discussão dos Projetos de Lei que regulamentam o aborto seguro e a garantia do diálogo com os movimentos que lutam pela legalização do aborto. Lembramos ainda a moção aprovada no VII CNP, de apoio à legalização do aborto:
“Reconhecendo tanto a complexidade do tema, quanto os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e entendendo a situação de sofrimento decorrente da criminalização e da falta de acesso aos serviços de saúde, os/as delegado(as) do VII Congresso Nacional de Psicologia vêm manifestar seu apoio à legalização da prática do aborto no Brasil, independente de a gravidez ser decorrente de violência ou haver risco de morte para a mulher”.

O CFP tem ainda como diretriz-base o Código de Ética Profissional do Psicólogo que determina, segundo os seus Princípios Fundamentais, que:
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

E ainda, de acordo com o Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;

O CFP luta pela promoção da saúde da mulher, tanto física quanto mental, e pelo reconhecimento e integração dos diversos momentos e vivências na subjetividade da mulher, entre eles a decisão de ter filhos. Defendemos, sobretudo, o acolhimento e escuta para as mulheres em situação de aborto!