Nota de apoio às mulheres que denunciaram violência sexual

O Sistema Conselhos de Psicologia, constituído pelos 23 Conselhos Regionais de Psicologia e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), reunidos durante Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf), nos dias 14, 15 e 16 dezembro de 2018, vem a público manifestar solidariedade a todas mulheres que denunciaram violência sexual sofrida em estabelecimento religioso no Estado de Goiás.

No último mês, casos de violência contra a mulher ganharam as mídias e redes sociais, suscitando um grande debate a respeito do tema. Violências que são cotidianas na vida de muitas mulheres brasileiras anônimas tornaram-se manchete devido à particularidade de terem ocorrido em ambiente de cunho religioso, somado a isso, tais violências ocorreram em momento de fragilidade pessoal das mulheres.

Em relação a esta situação, ressalta-se o compromisso da Psicologia brasileira de apoio e solidariedade a todas as pessoas em situação de violência, bem como reafirma a defesa da garantia dos direitos humanos.

Destaca-se a importância de escutar com empatia os relatos que surgiram nas diferentes mídias, pois nesse momento em que as mulheres encontraram a possibilidade de denunciar a violência sexual sofrida, faz-se importante o apoio coletivo da sociedade.

Por isso a necessidade de proteger as mulheres da exposição e repercussão nas mídias sociais, evitando a propagação de mensagens com explicações causais dos fatos, culpabilizando e/ou julgando pessoas de forma preconceituosa, reducionista e fragmentada. É de suma importância abordar situações de violência sexual, considerando a complexidade desse fenômeno, que envolve aspectos individuais, coletivos, culturais, econômicos e políticos.

As violências sexuais ferem a intimidade das pessoas. É difícil para as mulheres falarem de algo que é cercado por tabu e preconceito. Com relação aos aspectos psicológicos encontrados em pessoas em situação de violência, é necessário frisar que o sentimento de vergonha e culpa são intensos. A maioria das vítimas de violências sexuais acreditam que algo que elas possuem em seu corpo, e/ou em sua maneira de ser, atrai essa forma de violência. Culpa construída historicamente em razão da cultura do estupro, do machismo e do patriarcado. A culpa não é e nunca será da vítima.

O ato de denunciar situações de violência envolve um processo de muito sofrimento, onde mulheres ensaiam repetidamente como revelar e ao mesmo tempo evitam a revelação pelo medo de não serem compreendidas, julgadas e responsabilizadas pela violência em que, na verdade, foram as vítimas. Em especial, nessa situação, há fatores que aumentam a vulnerabilidade por se tratar de mulheres que buscaram ajuda espiritual, em momento de dor, angústia e desespero, e ali depositavam esperança de cura.

Reafirmamos o compromisso da Psicologia com a construção de uma sociedade que respeite a diversidade, que seja democrática e que trate com dignidade e respeito todas as pessoas que denunciam as violações de direitos.

Inspeções em hospitais psiquiátricos evidenciam violação de direitos

Uma ação articulada inédita de inspeções a hospitais psiquiátricos foi realizada, em âmbito nacional, entre os dias 3 e 7 de dezembro deste ano. Foram vistoriadas 40 instituições psiquiátricas, em 17 estados das cinco regiões do Brasil. A ação evidencia graves situações de violação de direitos, tratamento cruel, desumano e degradante, assim como indícios de tortura a pacientes com transtornos mentais. Esta é uma iniciativa conjunta do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Regionalmente, as inspeções foram coordenadas pelos Conselhos Regionais de Psicologia, Ministérios Públicos Estaduais e Ministérios Públicos do Trabalho (MPT) estaduais.

Estima-se que ação como um todo mobilizou cerca de 200 profissionais, em vistorias que ocorreram simultaneamente nos estados de Acre, Amazonas, Maranhão, Ceará, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A coleta de informações envolveu visitas aos espaços físicos, entrevistas com usuários, direção e equipes de trabalho, além da análise de documentos das instituições. E, como parte da metodologia dessa inspeção, será produzido e divulgado no próximo ano um relatório analítico, assim como foi feito com as inspeções às comunidades terapêuticas, em 2017. Com os subsídios gerados pelo novo relatório, as coordenações estaduais das inspeções adotarão, via MP e MPT, ações emergenciais para averiguar as irregularidades encontradas nesses hospitais e tomar medidas para garantir os direitos dessa população.

Para o presidente do CFP, Rogério Giannini, as inspeções a hospitais psiquiátricos são ”uma forma de voltar a discutir com a sociedade a precariedade desse tipo de atendimento”. Segundo ele, historicamente o CFP compõe junto às demais instituições envolvidas nas inspeções, um grande bloco na sociedade na área da Saúde Mental, que é o campo antimanicomial, “o qual entende que o sofrimento psíquico intenso não pode ser motivo de isolamento das pessoas em unidades de internação”.

Alvo de inspeções – Assim como as novas vistorias aos hospitais psiquiátricos, pela primeira vez, em 2017, foram realizadas inspeções em Comunidades Terapêuticas em todo o país. De acordo com Lúcio Costa, membro do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, um ponto comum entre esses dois tipos de estabelecimentos, e que motivou as inspeções, é o fato do Governo Federal estar financiando essas instituições à revelia das diretrizes da saúde pública no Brasil, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). ”Essas instituições são ultrapassadas e atendem aos interesses de grupos empresarias reunidos para segregar pessoas”.

Ocorrências – As inspeções revelaram que grande parte das pessoas encontradas em hospitais psiquiátricos são privadas de liberdade ilegalmente, sob a condição de um suposto ”tratamento”. Além disso, em alguns hospitais, pôde-se constatar uma quantidade significativa de pessoas com deficiência em situação de depósito, sem qualquer medida terapêutica que vise o processo de reinserção social, pacientes esses que muitas vezes possuem um longo tempo de internação.

De acordo com relato de Lúcio Costa, em uma inspeção a uma instituição psiquiátrica da cidade de Araras, localizada no interior de São Paulo, foi informado que um dos pacientes está internado há 60 anos, sem sair do local. Dentro dessa mesma instituição, foi possível observar, no momento da inspeção, um velório, o que, “simbolicamente traduz os efeitos de uma instituição total, em que o indivíduo passa a vida toda dentro de um local, e que, quando morre, seu velório é realizado dentro da própria instituição”, relatou Costa.

No início da semana, em Cuiabá, Mato Grosso, cerca de 15 profissionais vistoriaram um grande hospital do munícipio. Instalado em um prédio antigo da década de 50, conforme informado pela conselheira do CFP, Marisa Helena, que participou dessa inspeção, o hospital apresentava instalações precárias, com falta de ventilação, pouca luz e fios de eletricidade aparentes.

Apesar de ter aparentado limpeza em leitos bem equipados com camas hospitalares e monitores novos, o hospital ainda mantinha elementos de um prédio de uma instituição manicomial. “Está impregnada ali a ideia de uma instituição total, que priva de liberdade e não deixa ver o mundo fora” e que, ”por trás de uma suposta ’humanização’ devido a essas melhorias, estão reforçando um sistema manicomial”.