Referência na luta pelos direitos humanos de crianças e adolescentes

Wanderlino Nogueira Neto era importante referência na luta pelos direitos humanos, em especial de crianças e adolescentes. Procurador-geral de Justiça da Bahia, Nogueira Neto também presidiu a Associação do Ministério Público da Bahia (Ampeb) e foi secretário-geral do Ministério Público, diretor-geral do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA) e professor de Direito Internacional Público da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Foi consultor para os escritórios do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Cabo Verde, Angola e Paraguai e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil. Também integrou o Comitê dos Direitos da Criança do Alto Comissariado para Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e foi pesquisador do Instituto Nacional de Direitos Humanos da Infância e da Adolescência (Indhia).

Em 2011, Nogueira Neto recebeu da presidente Dilma Rousseff o maior reconhecimento do governo brasileiro sobre direitos humanos: o Prêmio Direitos Humanos, na categoria Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. 

Para a conselheira Iolete Ribeiro, do CFP, Wanderlino foi um grande militante e referência de vanguarda na discussão sobre direitos sexuais, participação e autonomia de crianças e adolescentes. “Wanderlino foi fundamental no debate crítico  sobre a inquirição de crianças e adolescentes. Deixa um legado importante e a mensagem de que a luta pela proteção integral deve continuar”.

Nogueira Neto faleceu em Salvador, dia 26 de fevereiro. Tinha 72 anos.

A polícia e suas polícias: clientela, hierarquia, soldado e bandido

Estudar os efeitos de reconhecimento e desconhecimento das relações no trabalho que permeiam o discurso de soldados da Polícia Militar: como falam de seu trabalho e, por meio de sua fala, se posicionam e posicionam sua clientela, sua hierarquia, seu objeto de trabalho (os “bandidos”) e eles próprios. Este é o tema do artigo da pesquisadora Erika Ferreira de Azevedo, da Escola Britânica de São Paulo. “A polícia e suas polícias: clientela, hierarquia, soldado e bandido” foi publicado na edição 37.3 da Revista Psicologia: Ciência e Profissão.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) publica artigos da revista no site e nas redes sociais – a versão eletrônica da Psicologia: Ciência e Profissão está na SciELO – para disseminar o conhecimento científico para a categoria e a sociedade.

Na pesquisa, Azevedo entrevistou dez policiais militares de São Paulo e buscou analisar que lugar a violência ocupou no discurso de cada um deles. Tentou, ainda, refletir sobre a dubiedade do verdadeiro objetivo do trabalho policial, deslizando facilmente do cuidado da população desamparada ao cuidado de si, desamparado sob a pressão da farda.

Entrevista

Qual o motivo da pesquisa?

O principal motivo foi uma preocupação com questões sociais e um interesse profundo em compreender o que permeia as questões sobre a segurança pública. Acredito que a Psicologia deveria se debruçar mais sobre a questão sob vários vieses, recortes e nortes teóricos, de forma a enriquecer a bagagem teórica sobre o assunto. O interesse em entrevistar policiais diretamente, ou seja, entrevistar o soldado que está nas ruas, na linha de fogo, veio a partir da constatação de que ainda há poucas pesquisas realizadas sobre esse sujeito na nossa área. Há muito que se diz – e não somente na Psicologia – sobre o policial, mas pouca se escuta o que esse sujeito tem a dizer. Não falo aqui de dar voz, porque ele já a tem, mas de fazer uma escuta – e analisar o que é dito – para compreendermos como ele, que sai às ruas e, muitas vezes, mata ou morre, se constitui sujeito. Creio que isso possa lançar luz sobre os problemas que cercam a atuação de policiais e de alguma forma contribuir para que busquemos soluções para essas questões.

 

Quais os principais resultados?

O foco da análise do meu trabalho foi como o soldado policial militar se posiciona em relação a sua clientela, a si mesmo, à hierarquia da qual faz parte e ao objeto de seu trabalho: a criminalidade representada pela figura do bandido. Muito marcante foi a questão do controle e da ordem para os policiais; tanto a questão do controle de si – quando perguntados sobre o que era mais importante, a resposta “chegar na hora e de barba feita” foi unânime – quanto o controle da clientela. De fato, chama atenção a forma como a clientela é posicionada, fenômeno também observado em outras pesquisas. A clientela é dividida entre a clientela desejável – no caso dos meus entrevistados, aqueles desprovidos de algo que coloca o policial na posição de herói, porque é a clientela que se permite ordenar, aceita a ajuda e se subordina ao policial – e a clientela indesejável – aquela que questiona, critica, não “valoriza” o trabalho do policial, põe em cheque sua autoridade. Essa última clientela quase se confunde com a própria criminalidade. Há muita dualidade nas formas com que o policial militar se posiciona em todas as instâncias. Outro aspecto analisado é a relação com a farda, que ora veste um herói, ora um “policialzinho”.

Como a Psicologia pode contribuir com a saúde mental dos policiais militares diante das pressões cotidianas?

Menciono ao menos duas pesquisas da pós-graduação em Psicologia que dialogam com meu trabalho e que apontam a importância do papel da Psicologia como vetor de saúde mental dos policiais militares. Não há dúvida que a Psicologia tem muito a contribuir, contudo, é evidente como a qualidade do trabalho policial, em última instância a qualidade da segurança pública, depende de uma revisão da própria dinâmica da instituição polícia militar.

Leia o artigo na íntegra.

A questão do consumo entre jovens

A visão dos jovens sobre a relação de consumo e seus efeitos nos modos de ser, pensar, sentir e se relacionar é tema do artigo “Consumo, Dinheiro e Diferenciações Sociais: Ditos de Jovens em uma Pesquisa-Intervenção”, de autoria de Inês HennigenBruno Eduardo Procopiuk Walter e Guilherme Machado Paim, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A pesquisa foi publicada na edição 37.3 da Revista Psicologia: Ciência e Profissão.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) publica artigos da revista no site e nas redes sociais – a versão eletrônica da Psicologia: Ciência e Profissão está na SciELO – para disseminar o conhecimento científico para a categoria e a sociedade.

A pesquisa foi desenvolvida em duas escolas públicas de Porto Alegre, com 35 jovens com idades entre 14 e 17 anos. A análise do discurso pautada nas contribuições foucaultianas os guiou na análise do que foi dito nos encontros. Nesse processo, emergiram questões como estratégias dos jovens para obter dinheiro, diferenciação e status social a partir do consumo e a internet enquanto necessidade de primeira ordem.

No artigo, o enunciado “consumir é gastar dinheiro” se torna dizível a partir de mudanças históricas, como a transformação da nossa relação com os objetos de uso, e da posição do jovem enquanto dependente econômico de seus pais e responsáveis.

Inês Hennigen explica melhor o tema do estudo.

O que motivou a pesquisa?

Perceber a recorrência da questão do consumo é um atravessamento nada incidental nos modos de viver. Constatar, também, que, no Brasil, a grande maioria das pesquisas como foco em consumo e juventude aborda aspectos específicos, como consumo de alimentos/obesidade, de álcool, tabaco e de outras drogas, lícitas ou ilícitas. É algo sem dúvida importante, mas circunscrito.

Por entender a questão do consumo como um operador de expressiva magnitude e complexidade no que tange à produção de subjetividade no contemporâneo, desenvolvemos a pesquisa-intervenção para abrir espaço para que jovens pudessem conversar e se interrogar sobre o tema e, nesse movimento, dar oportunidade de conhecer suas práticas de consumo de modo mais amplo e alguns efeitos nos seus modos de ser, pensar, sentir e se relacionar.

Quais os principais resultados do estudo?

O fato de se tratar de uma pesquisa-intervenção que permitiu aos jovens discutir, pensar e problematizar aspectos – por vezes naturalizados – relacionados ao consumo e à condição de ser jovem pode ser entendido enquanto um resultado-efeito relevante.

Como enunciados que puderam ser conhecidos, destacamos aqueles forjados na relação como o dinheiro. O dito “consumir é gastar dinheiro”, que pode sinalizar certo apagamento do objeto do consumo, também remete à condição de dependente financeiro dos jovens; nesse sentido, obtê-lo envolve todo um jogo estratégico de práticas junto a pais e familiares, como tirar boas notas; pedir só parte, inteirando com o economizado, para soar mais aceitável, além de impulsionar ao trabalho ou à ideia de buscá-lo proximamente.

Outro resultado a destacar é que, apesar de reproduzirem o contraponto necessário/supérfluo, esse se atualiza, pois a conexão à internet é arrolada pelos jovens como necessidade de primeira ordem, equiparada à alimentação e ao transporte.

Por fim, o dinheiro e o consumo como operador de diferenciações sociais, e morais, está entre os resultados das discussões que destacamos no artigo.

Quais contribuições a Psicologia pode oferecer na produção de conhecimentos e de práticas relacionadas à juventude?

Desenvolver estudos sobre o tema, fomentando o debate e a reflexão sobre as distintas e multifacetadas práticas de consumo, por exemplo, o chamado consumo cultural, que vem sendo apontado, em campos como a comunicação e a antropologia do consumo, como bastante relevante na vivência dos jovens. Nessa direção, atentar para as práticas de consumo na intercessão com diferentes marcadores sociais, como gênero, raça e condição socioeconômica, pode ser uma abordagem ou desdobramento importante para futuras pesquisas e intervenções.

Entendemos que os jovens – assim como todos nós – têm se constituído no encontro com uma lógica de incitamento no sentido de terem uma vida para o consumo. São constantemente atravessados por discursos e práticas que cabe à Psicologia tensionar, buscando brechas para outras plurais formas de existir.

Pensamos ser interessante um trabalho, com vocação interdisciplinar, na direção do que temos nomeado uma educação quanto ao consumo – que não está pautada em um “fazer consumir” mais/menos ou “melhor”, de modo responsável ou sustentável. Essas discursividades, por vezes, são revestidas de tons instrumentais e moralizantes, quando não messiânico-redentores – mas preocupa-nos com os efeitos do consumo – e possibilidades que se abrem e fecham – na vida dos jovens.

Um ano depois do massacre em Manaus  

Um ano depois do massacre de 67 pessoas presas em três unidades prisionais de Manaus (AM), em janeiro de 2017, uma equipe do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) retornou à cidade, nos dia 5 a 7 de fevereiro, para acompanhar as medidas que o poder público local tomou desde a tragédia. Buscavam verificar, ainda, se as recomendações apontadas pelo MNPCT foram adotadas pelo poder público.

Assim como em 2017, Márcia Badaró, representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP), foi convidada pelo MNPCT para participar da agenda com representantes de diversos setores do poder público local. A conselheira foi acompanhada pelos peritos José Ribamar Araújo e Silva, Fernanda Machado Givisiez e Valdirene Daufemback.

Badaró avalia como importante a participação do CFP na missão, considerando os problemas sociais e de saúde que afetam a população carcerária. Foi relevante, ainda, mostrar que o conceito de segurança não se restringe aos dispositivos de controle e disciplina, mas também à garantia do direito à vida, previsto constitucionalmente, e às assistências previstas na Lei de Execução Penal.

A expectativa é de que o relatório final da missão no Amazonas seja apresentado em 30 dias.

Visitas – No dia 5, Márcia Badaró participou de reunião aberta com setores da sociedade civil no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AM). No encontro, da qual participou a presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia da 20ª Região (CRP-20 – AM/AC/RO/RR), Maria da Graça Sales, familiares dos presos puderam questionar e fazer reivindicações aos gestores públicos. Márcia Badaró sugeriu, com base em sua experiência como psicóloga do sistema prisional do Rio de Janeiro, que os familiares criassem uma associação para fortalecer suas reivindicações. O grupo teria apoio do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT), do qual integram o CRP-20 e a Pastoral Carcerária.

A conselheira do CFP e os peritos do MNPCT também se reuniram com representantes do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ/AM)da Defensoria Pública, do Ministério Público Federal (MPF), da Delegacia-Geral da Polícia Civil do Amazonas e do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura.

No dia 6, as visitas foram concentradas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e foram ouvidos os gestores da unidade prisional da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e da Umanizzare, terceirizada que gerencia serviços administrativos e técnicos da unidade. Os presos também tiveram voz.

A missão se reuniu, no dia 7, com membros do Ministério Público Estadual (MPE/AM) e do Tribunal de Contas. Depois, uma audiência pública com a presença de representantes da sociedade civil e de instituições da área foi realizada no Fórum Ministro Henock Reis para apresentar as principais observações colhidas nas visitas e dialogar com a sociedade civil e o poder público.

Seminário – Para Márcia Badaró, apesar de alguns avanços nos encaminhamentos dos gestores públicos a partir das recomendações do MNPCT, ainda há muito a se fazer na Seap e no Compaj para atender as necessidades de familiares e presos. “O fato foi constatado pelos relatos que ouvimos nas visitas e no encontro com os familiares.” A conselheira propôs ao CRP-20 a criação de um grupo de trabalho (GT) sobre sistema prisional e a promoção de um seminário para discutir a questão. “A ideia é promover, brevemente, um evento que dê visibilidade à prática profissional dos psicólogos no sistema prisional do Amazonas.” A proposta depende de aprovação do CFP, MNPCT, CEPCT e CRP-20.

STF decide que Decreto 4.887/2003 é constitucional

“É o reconhecimento formal pelo Estado brasileiro dos direitos coletivos de comunidades tradicionais, no caso, das comunidades quilombolas”. Assim Paulo Maldos, integrante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), analisou o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), realizado nessa quinta-feira (9), em Brasília.

No julgamento, oito dos 11 ministros da Corte decidiram pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, ou seja, votaram pela constitucionalidade do Decreto 4.887/2003. O dispositivo garante a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas no Brasil.

A ação foi ajuizada pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

O conselheiro do CFP destacou que não esperava uma vitória tão expressiva, não apenas pela ampla maioria, mas pela diversidade no reconhecimento de direitos das comunidades quilombolas. “Foi a afirmação dos direitos reconhecidos individual ou coletivamente.”

Maldos ressaltou que o julgamento reconheceu o caráter constitucional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Nele, o Estado brasileiro deve consultar todas as comunidades indígenas ou tribais que tenham seus direitos territoriais atingidos por qualquer tipo de medida legislativa ou administrativa. “Eles disseram ‘respeito’, não só aos quilombolas, mas a todos os povos tradicionais do país”.

Paulo Maldos aponta que a decisão do STF será importante para o início da resolução dos problemas encontrados pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) em comunidades quilombolas pelo país. No dia 7 de dezembro do ano passado, o CNDH aprovou relatório sobre as violações de direitos das comunidades quilombolas. O documento identifica as principais violações de direitos humanos em comunidades quilombolas do Brasil e apresenta recomendações com propostas de ações para prevenção, defesa e reparação desses direitos violados.

Para o representante da Confederação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conac), Ivo Fonseca, é a segunda liberdade para as comunidades quilombolas. O morador do Quilombo Frechal, no Maranhão, alude à abolição da escravatura, em 1888, a qual classificou como “falsa”, pois não contemplou os direitos daqueles povos. A decisão dessa quinta-feira, segundo ele, tinha como foco um direito digno e natural.

Julgamento – No STF, a ministra Rosa Weber e os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello, Luís Roberto Barroso e a presidente, ministra Cármen Lúcia, votaram pela improcedência integral da ADI 3239. Já os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes votaram pela parcial procedência da ação, defendendo a colocação de um “marco temporal”, ou seja, apenas seriam reconhecidos os territórios quilombolas que comprovassem sua ocupação e produção pela comunidade na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. Esta proposta foi negada pela maioria dos magistrados, que aprovaram a constitucionalidade do Decreto 4887/2003 com um todo, sem ressalvas ou condicionantes. O ministro Cezar Peluso, relator do caso, foi o único que votou pela total procedência da ação.

Acompanhamento terapêutico como estratégia de cuidado

Acompanhamento Terapêutico: concepções e possibilidades em serviços de saúde mental, publicado na edição 37.3 da revista Psicologia: Ciência e Profissão, aborda a importância da prática em Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental em um hospital do interior de São Paulo. O texto – de autoria das pesquisadoras Amanda Candeloro CunhaDanielle Abdel Massih Pio e Thaís Munholi Raccioni, da Faculdade de Medicina de Marília, SP –discute a viabilidade local de inclusão desse dispositivo como estratégia de cuidado em saúde mental, dentro da perspectiva da clínica ampliada e reforma psiquiátrica.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) publica artigos da revista no site e nas redes sociais – a versão eletrônica da Psicologia: Ciência e Profissão está na SciELO – para disseminar o conhecimento científico para a categoria e a sociedade.

O trabalho foi realizado com profissionais da saúde de diferentes centros de atenção psicossocial e enfermaria psiquiátrica. Para a coleta de dados, foi utilizada a abordagem do grupo focal e, para a análise dos dados, o discurso do sujeito coletivo (DSC).

Amanda Cunha e Daniele Pio abordam mais detalhes sobre a construção da pesquisa em entrevista.

 

Entrevista

Qual o mote da pesquisa?

O interesse pela temática emergiu da prática de uma das pesquisadoras, enquanto residente de um programa de residência multiprofissional em saúde mental, que se dá em diferentes cenários e dispositivos de saúde mental, da atenção primária a serviços ambulatoriais e terciários. Foi possível perceber que a prática do acompanhamento terapêutico (AT) seria de grande importância dentro dos serviços, pensando na possibilidade da continuidade do cuidado, no fortalecimento da autonomia e na prática intersetorial e interdisciplinar. Considerando a escassez de estudos sobre a prática e também o aparente desconhecimento da atividade nos serviços de saúde mental, buscamos iniciar um debate sobre a temática, proporcionando possibilidades de uma futura inclusão desse dispositivo clínico nos serviços do município.

Quais os principais resultados do estudo?

Todos os serviços participantes da pesquisa faziam parte da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), cujas dificuldades encontradas atrelavam-se a empecilhos, não impedimentos, dos serviços na exploração de seus potenciais extra-hospitalares e das possibilidades existentes no território. Com relação ao AT, as maiores dificuldades se referiam a competências profissionais, dificuldades internas, justificadas principalmente pela falta de recursos humanos, e dificuldades externas, relacionadas à necessidade de comunicação entre os serviços da rede e de novas políticas públicas de saúde. Assim, apesar de o trabalho ter se direcionado a uma intervenção extra-hospitalar específica, possibilitou uma discussão mais ampla, que se refere à transição da lógica hospitalocêntrica para uma estrutura de serviços de base territorial, na qual é preciso se atentar para as dificuldades ainda presentes nesse processo, que interferem no funcionamento da rede de saúde mental e, consequentemente, no cuidado extra-hospitalar. Apesar das dificuldades apontadas, a pesquisa permitiu um espaço para viabilizar a construção desse trabalho nos serviços, o qual se apresenta como uma potente estratégia para a reforma em saúde mental.

Como ampliar a discussão sobre os estudos sobre teoria e prática do acompanhamento terapêutico?

Acreditamos que a construção de espaços interdisciplinares de discussão dentro das equipes de saúde mental pode favorecer a formação permanente dos profissionais, ampliando seus recursos teóricos e práticos, não só do AT, mas das demais estratégias possíveis de serem utilizadas no cuidado em saúde mental. Essa pesquisa buscou contribuir para a construção desses espaços e, com a publicação, também propiciar maior alcance sobre a teoria e a prática do AT.

Confira a íntegra do artigo.

Disponível nova edição da Psicologia: Ciência e Profissão

A edição 37.4 da revista “Psicologia: Ciência e Profissão (PCP)” já está disponível na plataforma SciELO e, em breve, chegará às bibliotecas das universidades e faculdades com cursos de Psicologia de todo o Brasil. O compromisso da PCP é promover diálogos entre prática profissional, formação e pesquisa, de forma a contribuir para a produção de conhecimento em Psicologia e para o enfrentamento dos desafios impostos pela conjuntura política e econômica do país.

A editora Neuza Guareschi, no texto Diversidade na Produção de Conhecimento em Psicologia, reforça que, além das temáticas recorrentes, principalmente, a formação em Psicologia e o campo das políticas públicas, esta edição traz artigos que dizem respeito à família, à mulher e à violência e também textos sobre juventude e infância. 

Excelência

 Editada desde 1979, a “Psicologia: Ciência e Profissão” é uma publicação científica de excelência internacional, classificada com a nota A2 no sistema Qualis de avaliação de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação. Atualmente, a revista está indexada nas bases da SciELO; Lilacs (Bireme); Clase; Latinex; PsycINFO; Redalyc; e Psicodoc.

Confira a edição 37.4.

Leia o editorial “Diversidade na Produção de Conhecimento em Psicologia”

Do cuidado em liberdade à geração de trabalho e renda

Luta antimanicomial: 30 anos da luta antimanicomial

Uma das principais características do “Encontro de Bauru: 30 anos de luta por uma sociedade sem manicômios” é a integração entre usuários e profissionais de diversas áreas. E esta foi o tom das 14 rodas de conversa do evento, realizadas, dias 8 e 9 de dezembro, na Universidade do Sagrado Coração, em Bauru (SP).

Com temas como a precarização do trabalho na saúde mental, infância e juventude, álcool e outras drogas e medicalização da sociedade, as rodas de conversa permitiram diálogos horizontais e resultaram em decisões que serão sistematizadas em documento-síntese do Encontro de Bauru. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) esteve presente em todas as conversas, contribuindo com os debates por uma sociedade sem manicômios.

O evento de Bauru teve, ainda, atividades culturais, Feira de Economia Solidária, ato público e até apresentação da Escola de Samba Unidos do Viradouro. Como o samba enredo de 2018 da Viradouro será a loucura como potência criadora, um grupo de carnavalescos da escola participou do encontro, a convite do CFP. O samba diz que “É ter na mente o dom da criação/Onde ser louco é inspiração/Une verso à melodia/Brincar de Deus… e com as cores delirar/Nos sonhos meus (…)/Sei que a loucura é o x da questão/Ser ou não ser mais um entregue à razão/Fazer do lixo uma bela fantasia/Eu sou um sonhador, um pierrô alucinado.”

Rodas de Conversa

Saiba um pouco sobre os debates ocorridos nas 14 rodas de conversas do Encontro de Bauru, 30 anos de luta por uma sociedade sem manicômios:

Cuidado em liberdade: A RAPS que queremos

Balanços, perspectivas e estratégias de ações sobre a situação do funcionamento dos serviços substitutivos foram discutidos, considerando o protagonismo de usuários e familiares e as particularidades de cada território.

Por uma Reforma Psiquiátrica antimanicomial: desafios e impasses para os movimentos sociais

Analisada a Reforma Psiquiátrica no Brasil, desafios e proposta agenda conjunta entre entidades.

Trabalho em saúde e enfrentamento da precarização

Discussão sobre o enfrentamento às diferentes formas de precarização de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS) e análise sobre os impactos da terceirização e da alta rotatividade de profissionais nos serviços de atenção.

Contra a maré: Velhos e novos problemas da institucionalização

Discussão sobre velhos e novos instrumentos contra a institucionalização. Além da Defensoria Pública e as coordenações dos promotores de Saúde dos municípios, que trabalham em defesa da Rede de Atenção Psicossocial (Rapsi) contra as internações compulsórias, o grupo sugeriu atuar em conjunto com os movimentos sociais e com as instituições estaduais, de forma a estreitar relações em defesa dos Direitos Humanos.

Justiça e garantia de direitos

A conselheira Jureuda Guerra participou da roda de conversa sobre justiça e garantia de direitos. O grupo decidiu lutar por ampliação da acessibilidade, por garantir direitos e informações sobre pessoas com transtorno mental. Outra sugestão foi solicitar recomendação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a retirada de bebês de mães usuárias de drogas, reconhecendo também a lógica antimanicomial e considerando os instrumentos legais já existentes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Loucos como sujeitos de direitos

A conselheira Norma Cosmo disse ter sido enriquecedor poder ouvir a fala dos próprios usuários, o depoimento de quem vive o cotidiano de ter seus direitos atacados e de precisar, a cada momento, reivindicá-los. “Eles não são tratados como pessoas, principalmente nos equipamentos, nos hospitais. Nos depoimentos, relatam que, por apresentar uma condição de sofrimento mental, são segregados e estigmatizados.”

Comunicação e cultura

Debateu-se a importância de a mídia ser cada vez mais abastecida com informações sobre a luta antimanicomial. A discussão apontou a necessidade de trabalhar com a imprensa tradicional e com a mídia alternativa para incluir temas relacionados à luta. O grupo, que ficou de se reunir novamente para elaborar proposições para incluir o tema na mídia, teve participação do conselheiro Pedro Paulo Bicalho e da conselheira Clea Oliveira.

Infância e Juventude

A roda de conversa deu a voz a profissionais, mães e adolescentes dos Centros de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (Capsis). O objetivo da discussão foi buscar diretrizes sobre como apoiar os Capsis que trabalham com crianças e adolescentes. Decidiu-se por lutar pela criação de mecanismos de atenção psicossocial, principalmente nos municípios de pequeno porte, e pelo fortalecimento dos Capsis.

A relatora do grupo, conselheira Iolete Ribeiro, explicou o desmonte das políticas públicas de saúde mental e a portaria da Rede de Atenção Psicossocial (Rapsi), já aprovada.

Álcool e outras drogas

“As pessoas estão levando uma droga de vida e estão fazendo uso de drogas”. A frase do conselheiro Paulo Aguiar sobre o problema do uso de álcool e drogas no país resume o tema da roda de conversa.

Segundo ele, é necessário pensar na questão da intersetorialidade, como saúde, educação e assistência, e no apoio a essas pessoas. A internação compulsória e a judicializacao também foram discutidas pelo grupo.

Políticas Públicas em tempos de desmonte dos direitos sociais

O conselheiro Paulo Maldos explicou que a discussão foi dividida em dois momentos: conjuntura política e apresentação de propostas, eixos de luta e formas de resistência às políticas de desmonte.

O direito à diferença: a luta contra as opressões

Debatidas violações de direitos e violências cotidianas vividas por mulheres, população LGBT, negros e negras, povos indígenas. Também foram feitos balanços e apontadas perspectivas e estratégias de ações.

O direito a cidade: luta antimanicomial e intersetorialidade

O mote foi o trabalho intersetorial, de forma a fortalecer a luta e enfrentar os retrocessos da atual conjuntura. Apontou-se a necessidade de regionalizar o debate, com a criação de fóruns permanentes intersetoriais e territoriais com agendas comuns.

Geração de trabalho e renda e economia solidária

O debate destacou que tanto usuários quanto profissionais aprendem juntos a desenvolver suas potencialidades criativas e de trabalho na economia solidária, refletindo na inclusão dos usuários no mercado de trabalho.

Participantes levantaram a questão dos limites dessa inclusão e os impactos no próprio tratamento e em outras áreas da vida dos usuários, necessitando, portanto, de um acompanhamento multidisciplinar dessa inclusão no mundo de trabalho.

Medicalização da sociedade

Pensar os diferentes impactos da medicalização e a patologização no cotidiano e suas relações com a cultura e a histórica posição que a psiquiatria ocupa nos espaços de tratamento. Essa foi o pensamento apresentado pelo representante da Comissão de Direitos Humanos do CFP Ematuir Teles. Para ele, há uma prevalência do saber médico em relação às outras práticas na sociedade, o que contribui para a prática da medicalização.

Ematuir também apresentou o debate sobre a despatologização das transexualidades. “Ainda estamos em um contexto onde as pessoas travestis e trans são consideradas doentes e isso gera efeitos até no acesso à saúde”.

Saiba mais

Encontro de 30 anos da luta antimanicomial reúne 1,8 mil participantes em Bauru  

Abertura foi marcada por homenagens póstumas a militantes da luta antimanicomial, como Marcus Vinícius de Oliveira

Aos 30 anos, Carta de Bauru vira tema de entrevista na TVT

O presidente do CFP, Rogério Giannini, foi o entrevistado do programa “Seu Jornal”, da TVT, na terça-feira (5)

Veja mais fotos do “Encontro de Bauru: 30 anos de luta por uma sociedade sem manicômios”.

Luta antimanicomial reúne 1,8 mil participantes em Bauru  

Nenhum passo atrás! Manicômio nunca mais. Essa foi a tônica dos discursos de abertura do “Encontro de Bauru: 30 anos de luta por uma sociedade sem manicômios”, na manhã desta sexta-feira (8), na Universidade Sagrado Coração, na cidade de Bauru (SP). Mais de 1,8 mil pessoas, entre usuários da saúde mental, profissionais, professores e estudantes, estão participando das atividades realizadas no campus e na cidade.

A programação do primeiro do evento foi marcada por atividades culturais e homenagens póstumas a militantes da luta antimanicomial que ajudaram a redigir a Carta de Bauru, há 30 anos. Em dezembro de 1987, trabalhadores da saúde mental reunidos em Bauru escreveram o manifesto que marca o início da luta antimanicomial no Brasil e representa um marco no combate ao estigma e à exclusão de pessoas em sofrimento psíquico grave. Com o lema “Por uma sociedade sem manicômios”, o congresso discutiu as formas de cuidado com os que apresentam sofrimento mental grave e representou um marco histórico do Movimento da Luta Antimanicomial, inaugurando nova trajetória da Reforma Psiquiátrica brasileira. 

O presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Rogério Giannini, ao falar sobre o cenário de retrocessos e truculências que ocorrem no país, lembrou a condução coercitiva do reitor e da vice-reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jaime Arturo Ramirez e Sandra Regina Goulart Almeida por agentes federais no dia 6 de dezembro.

Diversidade e resistência 

Giannini disse que a luta antimanicomial é em prol da cidadania e da democracia. “Ser antimanicomial é ser democrata, é lutar por cidadania e por direitos sociais. Vivemos momento difícil e duro, mas conhecemos nossa força e resistência em defesa da democracia.” Ele reafirmou que cada Centro de Atenção Psicossocial (Caps), cada casa de saúde, é um ponto de resistência. “Nossa diversidade é um valor que precisa ser afirmado. Somos diversos, mas somos únicos pela democracia.”

O ex-deputado Paulo Delgado, autor do projeto que resultou na Lei 10216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) recordou símbolos da luta antimanicomial, como Nilse da Silveira e Franco Basaglia. Ele destacou que a Carta de Bauru de 1987 marca uma mudança de paradigma das internações para o acolhimento e o cuidado. “Um tratamento de água com açúcar dado com amor faz mais diferença do o remédio dado com indiferença.” O político destacou ainda que os princípios da reforma psiquiátrica são os mesmos do Sistema Único de Saúde (SUS): integralidade,universalidade e equidade. “Não sou psicólogo, não sou psiquiatra, não sou assistente social, mas sou candidato a louco e, se for louco, quero ser tratado no Caps por vocês”.

Viradouro 

O secretário de Saúde de Bauru, José Eduardo Fogolin Passos, explicou ser este o momento para rediscutir o conceito de saúde mental e que o foco das discussões deve ser a luta por uma sociedade sem manicômios. Ele lembrou, ainda, a dívida que o SUS tem com os movimentos da luta antimanicomial. “Tenho orgulho de ser da cidade e de conhecer a história e o movimento, como muitas dessas pessoas. Este encontro reúne novamente todos os movimentos da luta antimanicomial por uma nova sociedade, em um novo Brasil para os próximos 30 anos.” Mário Moro, representante do Encontro de Bauru de 1987, reforçou que o momento é de resistência e luta contra a diminuição nos repasses de verbas da Assistência Social.

A abertura teve representantes da Articulação Nacional do Encontro de Bauru e de movimentos da luta antimanicomial, como o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA) e a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila). Os representantes da articulação nacional do encontro fizeram um histórico e mostraram os desafios da luta antimanicomial. Para eles, não basta racionalizar os serviços, é preciso discutir como combater a opressão e a discriminação nas instituições e como lutar pelos direitos de cidadania e por melhores condições de vida dos doentes mentais. Revelaram que é necessário inventar novos diálogos e uma nova política pública de saúde mental. 

O encontro de Bauru prosseguiu à tarde com 14 rodas de conversa atividades culturais. A Escola de Samba Viradouro, que terá a loucura como potência criadora como tema do samba enredo de 2018, encerrou o dia com um ato público na Praça Rui Barbosa.

A letra do samba enredo da Viradouro diz:“É ter na mente o dom da criação/Onde ser louco é inspiração/Une verso à melodia/Brincar de Deus… e com as cores delirar/Nos sonhos meus (…)/Sei que a loucura é o x da questão/Ser ou não ser mais um entregue à razão/Fazer do lixo uma bela fantasia/Eu sou um sonhador, um pierrô alucinado.”

Confira a programação completa.

 Confira no facebook do CFP as transmissões e as galerias de foto do  Encontro de Bauru.