Marielle, presente! A execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes foi o foco principal de diversas mesas de debate na manhã desta quinta-feira (15), no Fórum Social Mundial (FSM 2018). O Conselho Federal de Psicologia (CFP) também pautou a discussão em suas atividades nas Tendas Marcus Vinícius e Direitos Humanos. Marielle foi assassinada a tiros na Região Central do Rio na noite de quarta-feira (14). Entre cartazes e vozes clamando por justiça, grande parte dos participantes do FSM aderiram ao ato que homenageou Marielle Franco, durante à tarde.
Na Tenda Marcus Vinícius, o seminário do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas do CFP (Crepop) debateu as subjetividades negras em contexto de desmonte de políticas públicas. A coordenadora do Crepop, conselheira Clarissa Guedes, fez a mediação da conversa, que teve participação da conselheira Célia Zenaide e dos representantes do Instituto Amma Psique e Negritude, Emiliano Camargo David, e da Marcha Mundial de Mulheres, Gabriela Silva.
O frio assassinato da vereadora Marielle Franco foi assinalado por todos. “Ontem, perdemos um pouco a esperança. Foi tão assustador, mas precisamos ter esperança, acreditar que vamos conseguir mudar essa situação. Essa é a nossa forma de homenagear Marielle, permanecendo na luta”, afirmou Clarissa Guedes. Nas palavras de Célia Zenaide: “Ontem, mais uma de nós tombou, e depois de passar uma noite chorando, hoje estou aqui para resistir e para falar da subjetividade negra. Nós sobrevivemos. Nós estamos resistindo há mais de 500 anos”.
Destacando o que o CFP tem feito na resistência aos desmontes das políticas públicas que afetam fortemente a população negra, Zenaide afirmou que o CFP busca trabalhar suas pautas de forma a transversalizar a temática da negritude, da questão racial e do racismo. E lembrou que mais de 70% da população atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas) é negra. “O CFP está resistindo ao momento de ódio e de desmonte pelas quais passamos na nossa sociedade.”
Em tom de resistência, Emiliano Camargo ressaltou que, para a população negra, os desmontes nas políticas públicas não são novidades. “A população negra vivencia desmontes nas esferas públicas e de políticas públicas há séculos, antes mesmo de terem esse nome. E nós resistimos e sobrevivemos a todos esses desmontes, inclusive ao maior deles, se é que é possível chamar de desmonte, que foi a escravidão transatlântica. Nesse sentido, as demais raças estão vivendo um devir negro no mundo, porque passaram a vivenciar algo que o povo negro conhece há séculos.”
Gabriela Silva enfatizou que vidas negras importam e relacionou o genocídio da população negra com a intervenção no Rio de Janeiro. “Não tem como falar de subjetividade negra sem falar do genocídio, do racismo estrutural e de Estado que matam jovens negros todos os dias. Tornar-se negro é uma conquista, uma luta para se entender enquanto sujeito, porque a alienação social do negro começou com a alienação social do escravo, não enquanto sujeito de direito, mas enquanto coisa.”
Riscos e desastres
A discussão sobre “Riscos e desastres: a Psicologia e o direito à cidade e à cidadania” foi mediada pela conselheira Marisa Alves, coordenadora do grupo de trabalho Riscos e Desastres do CFP.
Para Theofilo Gravinis, membro da Comissão de Direitos Humanos do CFP, a Psicologia precisa se aproximar desse campo de conhecimento, inclusive para debater a formação dos profissionais que atuam mais diretamente em riscos e desastres. “Nós trabalhamos com a dor do outro, mas com a nossa dor também. Não entrar em contato com ela é mudar de profissão. Sentir-se superior à loucura do outro, ao sofrimento do outro, é não se reconhecer como sujeito, é não se reconhecer como profissional da Psicologia.”
O seminário contou também com as participações de Augusto Coaracy e Adriana Marino, ambos da Clínica Aberta de Psicanálise da Praça Roosevelt, em São Paulo, e de Conceição Pereira, também do GT de Riscos e desastres do CFP.
Direitos Humanos, violência no campo e intervenção militar
O documentário “Intervenção na cidade: militarização do medo”, produzido pelo CFP, em parceria com o Conselho Regional do Rio de Janeiro (CRP/RJ), foi exibido na tenda Direitos Humanos, no final da manhã. O filme traz o olhar de doze profissionais da Psicologia sobre os efeitos produzidos pela intervenção militar na cidade.
Na tenda, o presidente do CFP, Rogério Giannini, abriu a discussão sobre o processo de intervenção militar como forma de controle da sociedade. Ele alertou que “esses processos não são isolados” e que devem ser acompanhados com cautela.
Fabiana Severo, da Defensoria Pública da Comissão Nacional de Direitos Humanos, afirmou que o assassinato de Marielle Franco demonstra e escancara o Estado de Exceção no qual estamos vivendo. “Devemos dar o nome adequado a essa intervenção, que está legitimando e agravando toda violência institucional no Rio de Janeiro”. Ela disse, ainda, que nada justifica a violência institucional, pois a intervenção é uma ruptura que só vem “para dizimar e silenciar as vozes”.
Violência no campo
No seminário sobre violência no campo, criminalização e resistência, Carlos Moura, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP/CNBB), lembrou que o FSM é um espaço de reflexão sobre a injustiça, realidade que, cada vez mais, se aprimora em criminalizar os movimentos sociais. “Hoje, existem projetos de leis, portarias e discursos que buscam cercar esses movimentos”.
Euzamara de Carvalho, do setor de Direitos Humanos do Movimento dos Sem Terra (MST), falou sobre a insegurança jurídica e sobre como enfrentar o Estado de Exceção. “Quem confia hoje na lei? Ela vai assegurar nossos direitos? Qual o nosso lugar de luta e de defesa?” Para ela, “é tempo de luta de classes e de acirramento de conflitos”, no campo e em todos os lugares.
Gilberto Vieira, membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), falou sobre a causa indígena e lembrou que, no dia 15 de fevereiro de 2018, em Passo Fundo, houve violação de direitos, quando indígenas foram expulsos de seu território e foram morar próximos às rodovias do Rio Grande do Sul.
André Carneiro Leão, da Defensoria Pública Federal, explicou o papel da instituição. “Temos um pé no Estado e outro na sociedade”. Segundo ele, a ouvidoria tem o dever institucional de defender as pessoas que não podem contratar um advogado.
O conselheiro Paulo Maldos lembrou os 30 anos da Constituição Cidadã como um período de extrema riqueza do campo no Brasil – “Foi crescimento da participação social” –, mas reafirmou que a violência, o terror e o Estado de Exceção estão evidenciados pelos assassinatos de jovens lideranças populares: “O assassinato de Marielle Franco é um triste fato”.
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