O Conselho Federal de Psicologia (CFP) participou na quarta-feira (8) do seminário “Letalidade nos espaços de privação de liberdade: uma questão de justiça e saúde pública”. O diálogo reuniu representantes de órgãos públicos e de entidades da sociedade civil.
Realizado pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e organizado pelas comissões permanentes de Direitos da População Privada de Liberdade e do Direito Humano à Alimentação Adequada, o seminário foi idealizado a partir de denúncias sobre as graves violações aos direitos humanos e à alta letalidade de pessoas sob custódia do Estado brasileiro.
“O cenário é completamente desolador. De tortura persistente, extra-muros, porque além da tortura física dentro dos espaços de privação de liberdade, a tortura psicológica está muito presente”, explica a conselheira e vice-presidenta do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Alessandra Almeida, que coordena a Comissão Permanente de Direitos da População Privada de Liberdade e integra a atual composição da mesa diretora do CNDH.
Alessandra Almeida destaca que não só a saúde mental das pessoas encarceradas fica fragilizada, mas também a de familiares e pessoas próximas, “por toda a gama de situações que passam, como a de ver seu ente em situações muitas vezes deploráveis”, pontua.
Com transmissão aberta ao público, o seminário apresentou à sociedade e a órgãos governamentais e do sistema de justiça histórias que evidenciam violações de direitos de pessoas privadas de liberdade. “A proposta foi chamar o Estado brasileiro para que nos auxilie no desafiador enfrentamento a essa política de morte que é operacionalizada no sistema carcerário brasileiro”, destacou a conselheira e vice-presidenta do CFP.
Violação de direitos
Alessandra Almeida conta que, para além das mortes violentas, a falta de acesso à saúde e assistência psicossocial, bem como a fome ocasionada pela alimentação inadequada, a baixa qualidade da água e a insalubridade, estão entre os fatores que contribuem para o adoecimento e morte de pessoas em situação de cárcere.
Para salientar os índices alarmantes de mortalidade de pessoas privadas de liberdade, a programação foi subsidiada por dados da pesquisa Letalidade prisional: uma questão de justiça e de saúde pública, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Nesse cenário, no qual as condições degradantes do sistema penitenciário figuram como engrenagens constitutivas das mortes por doenças, observa-se a existência de um verdadeiro massacre, simbolizado pelo fato de que, somente entre os anos de 2014 e 2017, dos 6.368 presos e presas que morreram nos cárceres brasileiros, 3.670 casos (57,6%) foram classificados como ‘mortes naturais’. Desses óbitos, 472 nem sequer foram esclarecidos, sendo categorizados pelos distintos estados como ‘causa indeterminada’”, enumera a pesquisa.
Como desdobramento do encontro, as(os) representantes das comissões permanentes de Direitos da População Privada de Liberdade e do Direito Humano à Alimentação Adequada pretendem construir uma Recomendação ao governo brasileiro, “para que sejam providenciadas ações práticas para ao menos mitigar a letalidade prisional por meio de políticas públicas, bem como garantir melhores condições no acesso à alimentação adequada, saúde e bem-estar desta população”, destaca Alessandra Almeida.
A Psicologia no sistema prisional
“A Psicologia brasileira tem reconhecida atuação no sistema de justiça, é uma produtora de conhecimentos nesse campo há 40 anos, com especial atenção à luta pela exigibilidade dos direitos humanos de pessoas inseridas no sistema prisional”, ressalta a vice-presidenta do CFP.
Ela explica que profissionais e especialistas psicólogas(os) guardam conexão direta com o tema, referenciados no próprio Código de Ética da Profissão, no atendimento a pessoas encarceradas e seus familiares, e nas contribuições participativas nas instâncias de controle social e de defesa de direitos, não só nas unidades de reclusão, mas também no sistema socioeducativo e nas instituições totais, como comunidades terapêuticas.
Um exemplo recente está na oposição da Autarquia à realização de exame criminológico para progressão de regime de pessoas encarceradas, prevista na Lei 14.843/2024.
O Conselho Federal de Psicologia considera que a medida representa um verdadeiro retrocesso diante de um já fragilizado sistema prisional. Isso porque a realização do exame criminológico impõe à(ao) profissional da Psicologia a obrigatoriedade de um procedimento inadequado, em detrimento de sua autonomia e saber não apenas técnico-científico, mas também ético-político.
“Nos posicionamos de forma muito frontal contra o PL da Saidinha, por inúmeras razões, mas especialmente pela exigência do exame criminológico. Historicamente, nós construímos um argumento muito contundente, de que não é possível realizar esse tipo de atividade e, especialmente, prever se uma pessoa vai reincidir ou não”, explica a conselheira e vice-presidenta do CFP.
Para ela, “não é aceitável formar um perfil fechado de pessoas propensas ao crime. Nós entendemos que o encarceramento em massa brasileiro envolve outros elementos, como a situação dos ambientes em que estão as pessoas em situação de privação, por regra, espaços adoecedores e de tortura”.
Sancionada em abril (com veto) pela presidência da República e atualmente em análise do veto pelo Congresso Nacional, a normativa, conhecida como Lei da Saidinha, dispõe ainda sobre o monitoramento eletrônico de pessoas sob custódia do Estado e restringe o benefício da saída temporária.
Saiba mais
Para saber mais sobre aspectos do sistema prisional brasileiro à luz da Psicologia, a atuação da categoria no sistema prisional, bem como dados sobre a situação carcerária no país, acesse o documento Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas (os) no Sistema Prisional.