Trans devem cumprir pena em presídios de acordo com o gênero

Travestis e transexuais colocadas em celas masculinas devem ser transferidas a estabelecimentos prisionais compatíveis com sua identidade de gênero. Esse é o objetivo da ação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), protocolada em junho deste ano. A petição foi protocolada junto ao Supremo Tribunal Federal em caráter de urgência, como combate ao desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, constante na Constituição Federal. “É temerária a manutenção das travestis e das transexuais em estabelecimentos prisionais masculinos”, diz o documento da entidade.

Existem padrões de acolhimento para a população LGBT privada de liberdade no Brasil. A Resolução administrativa conjunta nº 01, de 15 de abril de 2014, firmada entre o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT), trata do acolhimento de pessoas LGBT em privação de liberdade no Brasil e estabelece, entre outros direitos, que a pessoa travesti ou transexual deve ser chamada pelo seu nome social, contar com espaços de vivência específicos, usar roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e manter os cabelos compridos e demais características de acordo com sua identidade de gênero. A resolução também garante o direito à visita íntima.

A ação da ABGLT ao STF surgiu a partir de denúncias de que travestis e mulheres trans, que pediam para ser remanejadas dos presídios masculinos para os presídios femininos, assim como para celas especiais, não conseguiam. Segundo presidenta da ABGLT, Symmy Larrat, com a resolução, travestis poderão optar por ficar ou no masculino ou no feminino e mulheres trans vão para o feminino, ampliando o entendimento da resolução e fazendo garantir o direito de escolha dessa pessoa. “Pessoas são tratadas como poder de barganha no presídio, sua identidade de gênero não é reconhecida, tendo seus cabelos cortados, sendo assim desconfigurada a sua identidade de gênero na sua forma física. Isso tem nos preocupado muito”.

CFP em defesa das populações LGBTI+

Em setembro 12 de setembro, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) também ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF), com reclamação constitucional solicitando concessão de liminar para suspender os efeitos da sentença proferida em favor da ação popular que trata da Resolução CFP 01/99. O número da reclamação é Rcl 31818.

De acordo com a Resolução 01/99, não cabe a profissionais da Psicologia no Brasil o oferecimento de qualquer tipo de terapia de reversão sexual, uma vez que a homossexualidade não é considerada patologia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Já a Resolução CFP  01/2018, também publicada pelo CFP, estabelece normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis. O documento foi baseado em três pilares: transexualidades e travestilidades não são patologias; a transfobia precisa ser enfrentada; e as identidades de gênero são autodeclaratórias.

Saiba mais sobre o tema:

CFP assina carta internacional pelos direitos das pessoas LGBTQI+

Em defesa da Resolução 01/99, CFP aciona STF

Audiência pública discute agenda legislativa pelos direitos LGBTI+

CFP premiado por combate à transfobia

Vídeo aprofunda debate sobre Psicologia e a despatologização das identidades trans

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou, no último dia 29, o vídeo “A despatologização das transexualidades e travestilidades pelo olhar da Psicologia – Parte II”, que traz um debate aprofundado sobre a atuação da Psicologia em relação à despatologização, abordando a responsabilidade dos (as) psicólogos (as) nos consultórios, ambulatórios, no sistema único de saúde, pesquisas acadêmicas e serviços públicos. A peça audiovisual faz parte de série realizada pela campanha “Despatologização das Identidades Trans e Travestis”.

No formato de entrevista, o vídeo conta com a fala de psicólogos (as) e acadêmicos (as), que falam do papel ético, político e profissional da categoria na luta pela despatologização, trazendo à luz as dificuldades enfrentadas, como a formação precária dos (as) psicólogos (as) em relação às temáticas de diversidade de gênero e sexual, a vinculação à psiquiatria no fornecimento de diagnósticos, problemas das pessoas trans e transexuais no acesso ao sistema de saúde, assim como a importância da valoração da experiência das pessoas que vivem as transformações de todas as formas, frente ao conhecimento científico e profissional.

Para os (as) entrevistados (as), os profissionais da psicologia e estudantes devem assumir seu papel em busca pela despatologização dos diagnósticos no Brasil. Membro da Comissão de Direitos Humanos do CFP, o professor e doutor Marco Aurélio Máximo Prado (UFMG) destaca o caráter patologizante na formação recebida pelos (as) psicólogos (as) nas universidades em relação aos temas da diversidade sexual e de gênero. “A história da psicologia normatiza e patologiza as sexualidades e as transexualidades. Hoje o nosso fazer está completamente regulado pela posição da Psiquiatria, que não é a nossa (posição)… estamos fazendo um trabalho que não é nosso, estamos fazendo um trabalho que a Psiquiatria decidiu sobre as transexualidades como um transtorno mental e transtorno sexual”, lamenta. Para o psicólogo, deve-se desconstruir e  questionar a atual formação e posicionamento da categoria.

O CFP e os entrevistados consideram que despatologizar as identidades significa ampliar os direitos de acesso à saúde e cidadania, e não limitar. “Essa ideia de que é importante ter um diagnóstico, porque isso permite às pessoas ter acesso à saúde, é uma ideia falsa, porque há muitas possibilidades de acesso à saúde que não passam por nenhum diagnóstico de patologia, como a gravidez, por exemplo”, destacou Prado. “Esse argumento de que se precisa da patologização para o acesso ao serviço e é por isso que a gente faz, tem que desconfiar um pouco disso. Qual o papel ético/político do psicólogo no sentido da desconstrução desta patologização? Se o psicólogo é um profissional de saúde mental, ele vai ter um papel preponderante aí nesta desconstrução”, reforçou no vídeo a professora, coordenadora do Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Anna Paula Uziel.

A parte II do vídeo traz, ainda, um panorama sobre a atuação dos ativistas na luta por direitos igualitários na história da sociedade e, mais especificamente, na luta pela despatologização. Citando os movimentos sociais, como o negro, o feminista e o LGBTTT o vídeo fala das conquistas e avanços já realizados na busca pela igualdade, pela legitimidade das relações, pelo direito à diferença, ao reconhecimento das equivalências sociais, e à visibilidade em vários espaços sociais e na ciência.  Para os (as) entrevistados (as), é essencial que a Psicologia valorize a experiência de quem fala – dos transexuais e dos travestis.  “Os movimentos feministas, os movimentos LGBTs, passaram anos e ainda passam, tentando descolar a sexualidade de reprodução, orientação sexual de identidade de gênero. Quando a gente faz essa junção para falar da necessidade da adequação entre o corpo e o gênero, isso me parece um grande retrocesso”, ressaltou Uziel.

A professora doutora Tatiana Lionço (Universidade de Brasília – UnB) também opina que narrativas psicológicas sobre transexualidade devem ser levadas em consideração pela ciência. “Eu acredito em uma Psicologia que leve em conta, fundamentalmente, as vozes dos sujeitos na construção dos discursos psicológicos sobre esses sujeitos (eles próprios). Nós não podemos retroceder nesse ponto… são as pessoas transexuais que nos ensinam sobre a transexualidade, e não o contrário. Por que o afã tecnicista faz com que muitos profissionais coloquem a voz da pessoa trans em segundo plano, aí eles vão se revestir de todo um arcabouço ‘conceitual’, que muitas vezes faz com que eles não consigam escutar o que a pessoa trans tem a dizer”, destacou.

Campanha

Participam ainda das entrevistas a professora Jaqueline Gomes de Jesus, doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações (UnB) e o professor Emerson Fernando Rasera (USP). Dividido em duas partes, o primeiro episódio de “A despatologização das transexualidades e travestilidades pelo olhar da Psicologia” abordou os problemas vividos pelas pessoas trans e travestis e a patologização de suas identidades. Estas peças videográficas terão prosseguimento com os títulos “A luta pela despatologização no mundo”, sobre o avanço da ciência, o histórico e momento atual e a luta e organização de movimentos sociais pela despatologização; e “Visões diversas da despatologização no Brasil”, em que será abordada a realidade brasileira, a visão das pessoas trans e as dificuldades do sistema de saúde brasileiro, além de possíveis alternativas.

As peças audiovisuais fazem parte de campanha em prol da despatologização das identidades transexuais e travestis, iniciada em 2014 pela autarquia, que conta com a realização de debates e um site especializado no tema (despatologizacao.cfp.org.br)

Assista:

Parte I

Parte II

Dia da Visibilidade Trans: entrevista com Leonardo Tenório

Dia 29 de janeiro é celebrado o Dia da Visibilidade Trans. Criada em 2004 pelo Ministério da Saúde, a data surgiu com o movimento de travestis e transexuais do Brasil. Na época, o ministério lançou  a campanha “Travesti e Respeito” em reconhecimento à dignidade dessa população.  Ainda hoje, a população brasileira de travestis e transexuais tem grande dificuldade no acesso à educação, ao trabalho e à saúde, assim como sofre violência e é desrespeitada de forma contumaz.

O CFP está publicando entrevistas com pessoas trans sobre a importância deste dia. Confira, abaixo, a realizada com Leonardo Tenório, que trabalha no Espaço Trans do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e foi presidente da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT).

Em novembro de 2014, o CFP iniciou campanha de comunicação em apoio à luta pela despatologização das Identidades Trans e Travestis, ação em que profissionais da psicologia,  pesquisadores e pesquisadoras, ativistas, pessoas transexuais e travestis  são convidados (as) a debater o fazer psicológico no processo de transexualização, à luz dos Direitos Humanos, bem como do panorama dos debates políticos em torno da luta no Brasil e no mundo. Além de vídeos  sobre o tema, a campanha conta com a realização de debates online e um site especial: http://despatologizacao.cfp.org.br/

1. Qual a importância desse dia da visibilidade para a luta pelos direitos humanos das pessoas trans?

Leonardo Tenório – O dia da visibilidade trans no Brasil serve como um momento de dizermos que nós existimos. Por incrível que pareça, nós não somos poucos. Estamos em todos os municípios e bairros e existimos em todos os períodos históricos da humanidade e em todos os continentes. A verdade é que a sociedade é tão preconceituosa conosco que vivemos em guetos, em bolhas sociais em que só frequentam as próprias pessoas trans, lésbicas e gays simpatizantes, pessoas que estudam gênero e sexualidade, movimentos sociais, profissionais do sexo etc. Muitas travestis ainda têm o hábito de só saírem de suas casas à noite. O preconceito é tão grande que não transitamos livremente na sociedade como pessoas cisgêneras fazem. Ou por conta do preconceito mesmo, em espaços de sociabilidade e de lazer, ou em espaços de garantia de direitos sociais, como instituições de ensino, estabelecimentos de saúde, mercado de trabalho formal, órgãos públicos ou empresas privadas – em função da grande quantidade de vezes em que somos desrespeitados ou constrangidos em função de nossa identidade de gênero.

Leonardo2. Qual são os maiores desafios na luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas trans?

Leonardo Tenório – Os maiores desafios da visibilidade trans são passar para a população em geral que nós somos seres humanos como quaisquer outros; e que nossa identidade de gênero trans é uma forma de ser humano. Não é anormal, perversa ou patológica – como o preconceito da transfobia leva as pessoas a acreditarem. Somos pessoas comuns que precisamos de afeto, família, trabalho, estudo, lazer, renda, moradia etc.

3. Como a Psicologia pode, na sua visão, participar ainda mais nessa luta?

Leonardo Tenório – A Psicologia poderia ajudar as pessoas trans encampando a luta pela Despatologização das Identidades Trans nos conselhos de classe, associações profissionais e cursos de psicologia; também criando redes de psicólogos e psicólogas que possam atender respeitosamente as pessoas trans em seus consultórios no particular, no SUS e nas universidades. Em função do sofrimento decorrente de diversas situações de preconceito e abandono, muitas pessoas trans possuem demanda psicoterápica – além de precisarmos da emissão de laudos ou relatórios psicológicos para subsidiar cirurgias transexualizadoras e ações judiciais para mudança de prenome e sexo nos documentos; e ainda pensando no atendimento, que o profissional da Psicologia se negue a realizar diagnóstico de transexualidade. Nossa forma de ser não é uma doença. Nenhum profissional da saúde tem a capacidade de saber qual é a identidade de gênero de uma pessoa. Só quem pode dizer quem ela é, e como ela quer se apresentar socialmente e se deseja realizar uma ou outra modificação corporal, em que momento e como, é a própria pessoa trans. Empoderamento para saber lidar com as normas de gênero impostas pela sociedade heterocisnormativa e, assim, utilizar sua autonomia para promover a própria saúde, são as chaves para que pessoas trans consigam ter efetivo cuidado de sua saúde mental e integral, na minha opinião.

4. Qual a importância de campanhas como essa de um Conselho profissional?

Leonardo Tenório – É importante que os conselhos profissionais, como o CFP, participem da luta pela saúde de todos e das minorias populacionais, como a de transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, pois acredito fazer parte de sua missão e do propósito da existência da própria categoria profissional.

 

Dia da Visibilidade Trans: entrevista com Eric Seger

Dia 29 de janeiro é celebrado o Dia da Visibilidade Trans. Criada em 2004 pelo Ministério da Saúde, a data surgiu com o movimento de travestis e transexuais do Brasil. Na época, o ministério lançou a campanha “Travesti e Respeito” em reconhecimento à dignidade dessa população.  Ainda hoje, a população brasileira de travestis e transexuais tem grande dificuldade no acesso à educação, ao trabalho e à saúde, assim como sofre violência e é desrespeitada de forma contumaz.

O CFP está publicando entrevistas com pessoas trans sobre a importância deste dia. Confira, abaixo, a realizada com Eric Seger, bolsista no Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero da UFRGS e membro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat).

Em novembro de 2014, o CFP iniciou campanha de comunicação em apoio à luta pela despatologização das Identidades Trans e Travestis, ação em que profissionais da psicologia, pesquisadores e pesquisadoras, ativistas, pessoas transexuais e travestis  são convidados (as) a debater o fazer psicológico no processo de transexualização à luz dos Direitos Humanos, bem como do panorama dos debates políticos em torno da luta no Brasil e no mundo. Além de vídeos sobre o tema, a campanha conta com a realização de debates online e um site especial: http://despatologizacao.cfp.org.br/

1. Qual a importância desse dia da visibilidade para a luta pelos direitos humanos das pessoas trans?

Eric Seger – Não é muito comum que existam representações de pessoas trans na sociedade como pessoas de direitos iguais. Cotidianamente vemos notícias sobre assassinatos de travestis em que é utilizado o nome de registro pra se referir à vítima, além de um descaso com a investigação do crime, como se aquela vida tivesse menos valor. Os modelos de entendimento dos seres humanos se baseiam em um dimorfismo sexual que compreende apenas como inteligível ser homem cisgênero ou mulher cisgênera, por isso é importante ter esse dia da visibilidade trans como uma forma de evidenciar que nós existimos e que exigimos os mesmos direitos que devem ser garantidos a todos seres humanos. Através dessa visibilidade podemos modificar a compreensão cultural de alguns pontos, como, por exemplo, de que pessoas trans são um terceiro sexo/gênero. Exigimos podermos ser reconhecidos como homens, mulheres, Eric3travestis, pessoas não binárias, com nossas particularidades, mas dentro do mesmo espectro em que homens e mulheres cisgênero também apresentam características diversas. E, assim, lutamos pelos mesmos direitos que deveriam ser de todos seres humanos.

2. Qual são os maiores desafios na luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas trans?

Eric Seger – Os desafios estão relacionados ao preconceito e à compreensão. Quando alguém, por motivos de crença individual e/ou aprendizado social, entende que uma pessoa trans não merece os mesmos direitos e não deve ser tratada de acordo com o gênero que ela revelou ser, mesmo tendo garantias de direitos no papel, o exercício destes direitos pode ser comprometido. Muitas vezes a falta de compreensão sobre o que é ser trans nos coloca num lugar de exótico, de não-humano, de doente mental. Por vezes somos reduzidos à pessoas que “não aceitam o seu sexo”, o que na minha visão é uma compreensão muito limitada e que não faz jus à complexidade do assunto, embora para muitas pessoas trans essa seja uma maneira compreensível de expressar como elas se sentem. Essas confusões atrapalham na hora de fazer valer os direitos a um nome, ao acesso à escola, à saúde etc. Inclusive o acesso a um simples banheiro pode ser comprometido, já que o que fundamenta a arquitetura e organização de banheiros está relacionado a um modelo de pensamento cissexista e heterossexista, ou seja, que prevê (e também produz) somente pessoas cisgêneras e heterossexuais como usuárias.

3. Como a Psicologia pode, na sua visão, participar ainda mais nessa luta?

Eric Seger – Como mencionei anteriormente, uma dos desafios da compreensão das pessoas trans é em relação a sermos pensados como doentes mentais. Existe a noção de que somos pessoas que “não aceitam o seu sexo”, que dizem ter “o corpo errado”. A Psicologia precisa atuar em produzir novos modelos que não dependam de uma configuração padrão de “corpo certo” para fazerem sentido, senão a única inteligibilidade possível para pessoas trans acessarem serviços de saúde é através desse sofrimento em relação a um suposto “corpo errado”. Por vezes, o que não é aceito não é o corpo de cada um, e sim o significado que se produz a partir de um corpo sexuado. E este significado pode ser modificado através de mudanças culturais e por isso também a visibilidade social é importante. A Psicologia enquanto um campo que avalia as condições de saúde mental dos sujeitos deve capacitar os/as profissionais para pensar além dos modelos hegemônicos e padrões de existir enquanto homem e mulher, e múltiplas maneiras de exercício da sexualidade, uma vez que a compreensão da legitimidade enquanto homem Eric2trans ou mulher trans por muito tempo baseou-se na sensação de rejeição do órgão genital e, portanto, um dos marcadores de legitimidade seria a não utilização do mesmo sexualmente. Isso produz novamente uma limitação naquilo que é considerado possível de ser vivido, deixando às margens da inteligibilidade que existam mulheres trans lésbicas ou homens trans gays (ou bissexuais, nos dois casos).

4. Qual a importância de campanhas como essa de um Conselho profissional?

Eric Seger – Essa campanha é importante pois os profissionais precisam saber que esta é a posição do Conselho e precisam buscar formação específica para atender demandas relacionadas ao assunto, uma vez que a formação anterior pode não ter sido adequada, considerando apenas os modelos patologizantes mencionados anteriormente. Com essa atitude, o Conselho estimula que os/as profissionais se envolvam com treinamento mais adequado e possam apresentar um posicionamento favorável aos direitos das pessoas trans, de maneira não patologizante, Também assim as pessoas trans podem estar mais asseguradas que é direito delas, sim, que o atendimento em Psicologia não as obrigue a ter uma performance de gênero esterotipada e vivências padronizadas, para que elas possam acessar seus direitos a serviços de saúde (como hormonização e cirurgias diversas) e serviços jurídicos (como troca de nome no registro civil).

CFP defende resolução 01/99 em audiência na Câmara

DSC_0209O vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Rogério Oliveira, participou, na tarde desta quarta-feira (24), de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para ouvir o depoimento de pessoas que afirmam ter deixado de ser gays.

A audiência foi requisitada pelo deputado pastor Marco Feliciano (PSC-SP), com o objetivo de trazer de volta o debate sobre a resolução 01/99 – que proíbe psicólogos (as) de exercerem qualquer atividade que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas e adotarem ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Por meio da resolução, o CFP define que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão, e estabelece normas de atuação para os (as) psicólogos (as) em relação à questão da orientação sexual.

Convidado pela Comissão, Oliveira apresentou o posicionamento da autarquia, destacando que a norma foi construída no âmbito da regulamentação da Psicologia e tornou-se referência dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo – sendo citada como dispositivo orientador exemplar de garantia de direitos.

Ele ainda rebateu a críticas, feitas por parte de parlamentares presentes à audiência, de que os psicólogos não acolheriam bem as pessoas que declaram querer deixar a “vivência homossexual”. “Nós na Psicologia não somos contrários ao acolhimento do sofrimento das pessoas que nos procuram. O que ocorre é uma confusão, é que não podemos, no exercício profissional, partir do pressuposto de que vamos fazer o tratamento de algo que não é considerado como doença”, disse. Segundo ele, o profissional de Psicologia não pode se orientar por questões ideológicas ou religiosas que possam comprometer o indivíduo a procura atendimento.

Para o deputado Feliciano, a homossexualidade se tornou “um modismo”. “Essa audiência traz fôlego aos pais que não sabem mais o que fazer quando a homossexualidade se tornou um modismo”, disse.

Já o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT-MG) criticou as falas dos parlamentares e disse não poder afirmar que todos os homossexuais são fruto de abuso sexual, apesar dos casos relatados por convidados da audiência desta quarta-feira. “O abuso sexual de uma menina, de um menino leva obrigatoriamente a ter um comportamento homossexual? Definitivamente, disso não há prova. O preconceito tem de ser combatido. Dizer que homossexual é um doente é uma atitude preconceituosa”, argumentou.

Nova investida contra resolução 01/99

Um projeto que visava a derrubar a resolução 01/99 foi derrotado em 2013 pelo plenário da Câmara. Para o vice-presidente do CFP, Rogério de Oliveira Silva, o objetivo da audiência foi uma estratégia para retomar o debate contra a norma. “O que está colocado aqui é uma estratégia de um grupo de deputados que quer reacender esse debate para derrubar essa resolução. Onde a Psicologia estiver sendo ameaçada, o Conselho tem a obrigação de participar e se posicionar, defendendo de forma veemente a nossa profissão”, concluiu.

Abaixo, links para notícias publicadas na imprensa nacional sobre a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias para ouvir o depoimento de pessoas que afirmam ter deixado de ser gays:

http://radioagencianacional.ebc.com.br/direitos-humanos/audio/2015-06/congresso-discute-cura-gay-e-movimentos-sociais-temem-retrocesso

http://www.brasilpost.com.br/2015/06/24/ex-gays-tratamento_n_7657874.html

http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/em-audiencia-com-ex-gays-deputados-defendem-tratamento,9d8bb7272e69afa70b637c02d724f17ee1ndRCRD.html

http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/feliciano-chama-homossexualidade-de-modismo-ao-falar-com-ex-gays.html

http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/06/24/na-camara-pastor-critica-psicologos-e-deputado-sugere-bolsa-ex-gay.htm

http://www.fatoonline.com.br/conteudo/4899/autodeclarados-ex-gays-relacionam-abuso-e-traumas-com-homossexualismo?or=home&p=u&i=3&v=0

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1647143-convidados-por-marco-feliciano-ex-gays-contam-suas-historias-na-camara.shtml

http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,em-audiencia-na-camara–ex-gays-dizem-que-nunca-foram-homossexuais-de-verdade,1712859

*Com agências

Na semana de luta contra a homofobia, ativistas debateram as violências sofridas pelas pessoas LGBT

ed1 A luta contra todas as formas de sofrimento relacionado à orientação sexual e identidade de gênero foi tema de mesa de conversa promovida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) na última sexta (22), em Brasília. O debate, transmitido via Internet, contou com a participação de ativistas dos movimentos sociais, que falaram sobre as violências simbólicas e físicas vividas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros e pessoas intersexuais e suas relações com a Psicologia. O evento marcou a semana em que se comemorou o Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, 17 de maio.

Apesar de as homossexualidades terem sido despatologizadas ainda na última década do século XX, estas populações ainda vivem, diariamente, constrangimentos, discriminação e vários tipos de sofrimento. Presente ao debate, Carlos Magno Fonseca, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), destacou que a sociedade exclui os grupos que fogem à norma da heteronormatividade. “O preconceito é um mecanismo para manter uma sociedade desigual. Estamos em situação de subalternidade dentro desta sociedade.E isso tem o nome de homofobia – ou lesbofobia, gayfobia, pois existem especificidades da manifestação desses preconceitos”, ressaltou.

“A homofobia está institucionalizada quando o Estado não enxerga as pessoas LGBT ed3como uma população que tem de ter direitos e cidadania, quando o Estado não tem ações afirmativas específicas de empoderamento para esta população”, disse. Fonseca comemorou as vitórias do movimento, mas sublinhou a atuação de um setor conservador da sociedade – com grande representação no Congresso Nacional – que pretende excluir a população LGBT. Ele lembrou, ainda, que não existe no país uma lei que criminalize as pessoas que cometem crime contra as pessoas LGBT, e que, a cada 28 horas, um homossexual é brutalmente assassinado no país (dados do Grupo Gay da Bahia).

No caso das transexualidades, a situação ainda é mais complexa, pois ainda são consideradas doenças. “Temos utilizado os mecanismos de luta para a construção da retirada dessas patologias dos códigos de classificação internacional de doenças e buscado refletir, repensar as nossas práticas profissionais (da Psicologia) no direcionamento da despatologização”, declarou a psicóloga e representante da Comissão de Direitos Humanos do CFP, Rebeca Bussinger, que mediou a mesa.

ed_2Para Luciano Palhano, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat), a patologização das identidades transexuais marca a violência institucional e da sociedade perante esta população. “A homofobia se desmembra, e considero que mesmo com esta compreensão é importante marcar o sentido de que pessoas trans também podem sofrer violência dupla, homofóbica e transfóbica, pela questão do estigma. As pessoas trans, inclusive, também podem ser heterossexuais”, explicou. Ele destacou a violência simbólica diária sofrida por esta população nos olhares, gestos, negação de direitos, das identidades e das expressões de gênero. “Essa violência fere e mata, e não pode ser de forma alguma negligenciada. As pessoas trans reorganizam e desordenam a orientação de sexo e gênero, e desorganizar essa lógica é ameaçar a identidade de muitas outras pessoas, mesmo dentro do próprio movimento LGBT, isso faz com que a gente se transforme em alvo de agressão, violência e anulação”, lamenta.

A ativista Andreia Lais Cantelli, da Articulação Nacional das Travestis, Transexuais e Transgêneros do Brasil – ANTRA/PR, concordou ao apontar que a sociedade está historicamente hierarquizada pelo machismo, pela simetria de gênero e sexualidade – homem e mulher – e que existem outras possibilidades de se construir e viver práticas de sexualidade e gênero. Para ela, por não se enquadrar nesses padrões históricos, as pessoas LGBT acabam entrando em processos de exclusão, vulnerabilidade e violência.

Ela lembrou que o processo de estigmatização das pessoas transexuais e travestis se inicia já no ambiente familiar e, depois, no ambiente escolar. “As escolas estão preparadas para receber o homem com pênis e a mulher com a vagina. Este espaço não está preparado para receber as pessoas trans, que não aguentam a pressão e a violência e acabam saindo da escola, acabam sendo expulsas desse ambiente. E a escola vai dizer que a pessoa teve a oportunidade mas que ‘quis ir pra rua’. Na verdade, o processo de transfobia foi tão grande que a pessoa não aguentou a pressão e acabou por sair”, lamenta.

Já Luciano Palhano destacou, também, a violência institucionalizada por parte do Estado, com a ausência de pesquisas e políticas públicas, principalmente na área da saúde. “As pessoas não querem compreender como se configura esse corpo, quais são as especificidades que precisam ser tratadas na hormonização, na cirurgia. As pessoas trans vivem hoje no limbo onde o corpo dela não é visto, não é estudado, não é acessado. Mas o nosso lugar não é o limbo, nosso lugar é a cidadania”.

A Psicologia e o atendimento das pessoas LGBT

ed5O papel da Psicologia e o processo transexualizador foram pontos em comum na fala dos ativistas. Para eles, os (as) profissionais psicólogos (as) devem rever a atuação junto às pessoas LGBT, tomando uma postura de auxílio emocional e psíquico e fugindo de termos e procedimentos que remetem à patologização, seja nos consultórios, na educação, na saúde ou nos serviços públicos em geral. Eles apontaram, ainda, a necessidade da inclusão do debate sobre gênero e sexualidade nos currículos dos cursos de Psicologia no país.

“Os profissionais da Psicologia não podem reproduzir termos como ‘transtorno’ ou ‘disforia’. Cabe aos psicólogos garantir a autonomia, tentar produzir consciência e parar de reforçar esses termos patologizantes como ‘desconforto com o próprio corpo’”, explicou Palhano. Para ele, o (a) psicólogo (a) não deve atribuir todas as formas de sofrimento à experiência trans. “As pessoas trans vão aos consultórios e todos os sofrimentos, toda a angústia são atribuídos à experiência trans. Mas a pessoa se compõe de várias dimensões e são essas dimensões que precisam ser trabalhadas pelo profissional da Psicologia”, observou, sinalizando que os (as) profissionais precisam adotar a postura do CFP, que é do olhar despatologizante das identidades trans.

“A nota técnica do CFP é bem bacana, com olhar despatologizante em relação a outras categorias, mas não é o suficiente enquanto não fizerem com que esse olhar atravesse os profissionais de todo o país”, disse, solicitando que se criem estratégias para que a postura despatologizante chegue às universidades e serviços públicos em geral.

Para Cantelli, é preciso rever o processo transexualizador no país e o papel da Psicologia neste processo – para ela, uma “máquina de fabricação de corpos”. A representante destacou que as exigências e protocolos a serem cumpridos para o acesso ao sistema transexual no Sistema Único de Saúde acarretam outras formas e processos de violência. “Para que as pessoas transexuais entrem neste processo, devem passar por uma equipe multidisciplinar e ter seus comportamentos enquadrados dentro da norma heteronormativa. Se a pessoa trans possui ‘desvios’ que não correspondem à norma simétrica de gênero, esta pessoa não estará apta a continuar o processo transexualizador, que ainda dá ideia de começo e fim. No final, ela pode ser avaliada como transexual ou não, de acordo com os protocolos da equipe multidisciplinar”, lamenta. Para ela, o prazo para começar e terminar o processo transexualizador parece significar que, no final, a pessoa estaria “curada”.

Ela disse, ainda, que o processo transexualizador está preparado para receber apenas as pessoas que estejam dispostas a realizar uma cirurgia de mudança de sexo e que outros serviços, como acompanhamento hormonal, endocrinologia, acompanhamento médico, de orientação, não estão previstos isoladamente pelo SUS.
“As pessoas travestis e as pessoas trans são diferentes. Podem ter os mesmos anseios e trajetórias, mas não são iguais. Que os protocolos e atendimentos da Psicologia sejam mais flexíveis e não tão duros quanto é o processo transexualizador, que não contempla as diferentes vivências”, aponta.

Segundo Rebeca Bussinger, os profissionais da Psicologia podem assumir variados papeis na luta pela despatologização e contra as violências homofóbicas e transfóbicas. A mudança, para ela, deve passar pela formação profissional e pelo incentivo a pesquisas acadêmicas. “O profissional da Psicologia pode e deve conhecer não só as suas próprias resoluções, mas também de outras profissões, além daquilo que o movimento social tem pautado, inclusive se articular aos movimentos sociais. Temos o dever e o direito de estar nos espaços de luta brasil afora, trabalhando, pautando, reivindicando, enfim, questionando todos esses pontos”.

Site Despatologização das Identidades Trans e Travestis

O CFP lançou, também no dia 22, o site especial sobre a Despatologização das Identidades Trans e Travestis, projeto integrante da campanha iniciada em 2014, e que contará com vídeos, links para legislação relacionada (nacional e internacional), área com indicações de blogs/sites de trans que contam suas experiências de vida e transformações, entidades, associações, empresas, fundações amigas da questão da despatologização das identidades trans – além de área destinada a exemplos de atuação alternativa de psicólogos e psicólogas nos ambulatórios e equipes do SUS. Conheça o site aqui.

Assista ao debate: