Dia da Visibilidade Trans: entrevista com Leonardo Tenório

Dia 29 de janeiro é celebrado o Dia da Visibilidade Trans. Criada em 2004 pelo Ministério da Saúde, a data surgiu com o movimento de travestis e transexuais do Brasil. Na época, o ministério lançou  a campanha “Travesti e Respeito” em reconhecimento à dignidade dessa população.  Ainda hoje, a população brasileira de travestis e transexuais tem grande dificuldade no acesso à educação, ao trabalho e à saúde, assim como sofre violência e é desrespeitada de forma contumaz.

O CFP está publicando entrevistas com pessoas trans sobre a importância deste dia. Confira, abaixo, a realizada com Leonardo Tenório, que trabalha no Espaço Trans do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e foi presidente da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT).

Em novembro de 2014, o CFP iniciou campanha de comunicação em apoio à luta pela despatologização das Identidades Trans e Travestis, ação em que profissionais da psicologia,  pesquisadores e pesquisadoras, ativistas, pessoas transexuais e travestis  são convidados (as) a debater o fazer psicológico no processo de transexualização, à luz dos Direitos Humanos, bem como do panorama dos debates políticos em torno da luta no Brasil e no mundo. Além de vídeos  sobre o tema, a campanha conta com a realização de debates online e um site especial: http://despatologizacao.cfp.org.br/

1. Qual a importância desse dia da visibilidade para a luta pelos direitos humanos das pessoas trans?

Leonardo Tenório – O dia da visibilidade trans no Brasil serve como um momento de dizermos que nós existimos. Por incrível que pareça, nós não somos poucos. Estamos em todos os municípios e bairros e existimos em todos os períodos históricos da humanidade e em todos os continentes. A verdade é que a sociedade é tão preconceituosa conosco que vivemos em guetos, em bolhas sociais em que só frequentam as próprias pessoas trans, lésbicas e gays simpatizantes, pessoas que estudam gênero e sexualidade, movimentos sociais, profissionais do sexo etc. Muitas travestis ainda têm o hábito de só saírem de suas casas à noite. O preconceito é tão grande que não transitamos livremente na sociedade como pessoas cisgêneras fazem. Ou por conta do preconceito mesmo, em espaços de sociabilidade e de lazer, ou em espaços de garantia de direitos sociais, como instituições de ensino, estabelecimentos de saúde, mercado de trabalho formal, órgãos públicos ou empresas privadas – em função da grande quantidade de vezes em que somos desrespeitados ou constrangidos em função de nossa identidade de gênero.

Leonardo2. Qual são os maiores desafios na luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas trans?

Leonardo Tenório – Os maiores desafios da visibilidade trans são passar para a população em geral que nós somos seres humanos como quaisquer outros; e que nossa identidade de gênero trans é uma forma de ser humano. Não é anormal, perversa ou patológica – como o preconceito da transfobia leva as pessoas a acreditarem. Somos pessoas comuns que precisamos de afeto, família, trabalho, estudo, lazer, renda, moradia etc.

3. Como a Psicologia pode, na sua visão, participar ainda mais nessa luta?

Leonardo Tenório – A Psicologia poderia ajudar as pessoas trans encampando a luta pela Despatologização das Identidades Trans nos conselhos de classe, associações profissionais e cursos de psicologia; também criando redes de psicólogos e psicólogas que possam atender respeitosamente as pessoas trans em seus consultórios no particular, no SUS e nas universidades. Em função do sofrimento decorrente de diversas situações de preconceito e abandono, muitas pessoas trans possuem demanda psicoterápica – além de precisarmos da emissão de laudos ou relatórios psicológicos para subsidiar cirurgias transexualizadoras e ações judiciais para mudança de prenome e sexo nos documentos; e ainda pensando no atendimento, que o profissional da Psicologia se negue a realizar diagnóstico de transexualidade. Nossa forma de ser não é uma doença. Nenhum profissional da saúde tem a capacidade de saber qual é a identidade de gênero de uma pessoa. Só quem pode dizer quem ela é, e como ela quer se apresentar socialmente e se deseja realizar uma ou outra modificação corporal, em que momento e como, é a própria pessoa trans. Empoderamento para saber lidar com as normas de gênero impostas pela sociedade heterocisnormativa e, assim, utilizar sua autonomia para promover a própria saúde, são as chaves para que pessoas trans consigam ter efetivo cuidado de sua saúde mental e integral, na minha opinião.

4. Qual a importância de campanhas como essa de um Conselho profissional?

Leonardo Tenório – É importante que os conselhos profissionais, como o CFP, participem da luta pela saúde de todos e das minorias populacionais, como a de transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, pois acredito fazer parte de sua missão e do propósito da existência da própria categoria profissional.

 

Dia da Visibilidade Trans: entrevista com Eric Seger

Dia 29 de janeiro é celebrado o Dia da Visibilidade Trans. Criada em 2004 pelo Ministério da Saúde, a data surgiu com o movimento de travestis e transexuais do Brasil. Na época, o ministério lançou a campanha “Travesti e Respeito” em reconhecimento à dignidade dessa população.  Ainda hoje, a população brasileira de travestis e transexuais tem grande dificuldade no acesso à educação, ao trabalho e à saúde, assim como sofre violência e é desrespeitada de forma contumaz.

O CFP está publicando entrevistas com pessoas trans sobre a importância deste dia. Confira, abaixo, a realizada com Eric Seger, bolsista no Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero da UFRGS e membro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat).

Em novembro de 2014, o CFP iniciou campanha de comunicação em apoio à luta pela despatologização das Identidades Trans e Travestis, ação em que profissionais da psicologia, pesquisadores e pesquisadoras, ativistas, pessoas transexuais e travestis  são convidados (as) a debater o fazer psicológico no processo de transexualização à luz dos Direitos Humanos, bem como do panorama dos debates políticos em torno da luta no Brasil e no mundo. Além de vídeos sobre o tema, a campanha conta com a realização de debates online e um site especial: http://despatologizacao.cfp.org.br/

1. Qual a importância desse dia da visibilidade para a luta pelos direitos humanos das pessoas trans?

Eric Seger – Não é muito comum que existam representações de pessoas trans na sociedade como pessoas de direitos iguais. Cotidianamente vemos notícias sobre assassinatos de travestis em que é utilizado o nome de registro pra se referir à vítima, além de um descaso com a investigação do crime, como se aquela vida tivesse menos valor. Os modelos de entendimento dos seres humanos se baseiam em um dimorfismo sexual que compreende apenas como inteligível ser homem cisgênero ou mulher cisgênera, por isso é importante ter esse dia da visibilidade trans como uma forma de evidenciar que nós existimos e que exigimos os mesmos direitos que devem ser garantidos a todos seres humanos. Através dessa visibilidade podemos modificar a compreensão cultural de alguns pontos, como, por exemplo, de que pessoas trans são um terceiro sexo/gênero. Exigimos podermos ser reconhecidos como homens, mulheres, Eric3travestis, pessoas não binárias, com nossas particularidades, mas dentro do mesmo espectro em que homens e mulheres cisgênero também apresentam características diversas. E, assim, lutamos pelos mesmos direitos que deveriam ser de todos seres humanos.

2. Qual são os maiores desafios na luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas trans?

Eric Seger – Os desafios estão relacionados ao preconceito e à compreensão. Quando alguém, por motivos de crença individual e/ou aprendizado social, entende que uma pessoa trans não merece os mesmos direitos e não deve ser tratada de acordo com o gênero que ela revelou ser, mesmo tendo garantias de direitos no papel, o exercício destes direitos pode ser comprometido. Muitas vezes a falta de compreensão sobre o que é ser trans nos coloca num lugar de exótico, de não-humano, de doente mental. Por vezes somos reduzidos à pessoas que “não aceitam o seu sexo”, o que na minha visão é uma compreensão muito limitada e que não faz jus à complexidade do assunto, embora para muitas pessoas trans essa seja uma maneira compreensível de expressar como elas se sentem. Essas confusões atrapalham na hora de fazer valer os direitos a um nome, ao acesso à escola, à saúde etc. Inclusive o acesso a um simples banheiro pode ser comprometido, já que o que fundamenta a arquitetura e organização de banheiros está relacionado a um modelo de pensamento cissexista e heterossexista, ou seja, que prevê (e também produz) somente pessoas cisgêneras e heterossexuais como usuárias.

3. Como a Psicologia pode, na sua visão, participar ainda mais nessa luta?

Eric Seger – Como mencionei anteriormente, uma dos desafios da compreensão das pessoas trans é em relação a sermos pensados como doentes mentais. Existe a noção de que somos pessoas que “não aceitam o seu sexo”, que dizem ter “o corpo errado”. A Psicologia precisa atuar em produzir novos modelos que não dependam de uma configuração padrão de “corpo certo” para fazerem sentido, senão a única inteligibilidade possível para pessoas trans acessarem serviços de saúde é através desse sofrimento em relação a um suposto “corpo errado”. Por vezes, o que não é aceito não é o corpo de cada um, e sim o significado que se produz a partir de um corpo sexuado. E este significado pode ser modificado através de mudanças culturais e por isso também a visibilidade social é importante. A Psicologia enquanto um campo que avalia as condições de saúde mental dos sujeitos deve capacitar os/as profissionais para pensar além dos modelos hegemônicos e padrões de existir enquanto homem e mulher, e múltiplas maneiras de exercício da sexualidade, uma vez que a compreensão da legitimidade enquanto homem Eric2trans ou mulher trans por muito tempo baseou-se na sensação de rejeição do órgão genital e, portanto, um dos marcadores de legitimidade seria a não utilização do mesmo sexualmente. Isso produz novamente uma limitação naquilo que é considerado possível de ser vivido, deixando às margens da inteligibilidade que existam mulheres trans lésbicas ou homens trans gays (ou bissexuais, nos dois casos).

4. Qual a importância de campanhas como essa de um Conselho profissional?

Eric Seger – Essa campanha é importante pois os profissionais precisam saber que esta é a posição do Conselho e precisam buscar formação específica para atender demandas relacionadas ao assunto, uma vez que a formação anterior pode não ter sido adequada, considerando apenas os modelos patologizantes mencionados anteriormente. Com essa atitude, o Conselho estimula que os/as profissionais se envolvam com treinamento mais adequado e possam apresentar um posicionamento favorável aos direitos das pessoas trans, de maneira não patologizante, Também assim as pessoas trans podem estar mais asseguradas que é direito delas, sim, que o atendimento em Psicologia não as obrigue a ter uma performance de gênero esterotipada e vivências padronizadas, para que elas possam acessar seus direitos a serviços de saúde (como hormonização e cirurgias diversas) e serviços jurídicos (como troca de nome no registro civil).

Prorrogada data de divulgação do Prêmio Inclusão Social

A pedido dos integrantes da Comissão Julgadora do Prêmio Inclusão Social, foi prorrogado o prazo para divulgação dos resultados dos trabalhos vencedores e, consequentemente, a premiação do Prêmio Inclusão Social. O grupo que analisa as propostas fará uma reunião para conclusão dos trabalhos nos dias 29 e 30 de janeiro. Nessa ocasião serão definidas as novas datas de divulgação dos resultados e da premiação.

Promovido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em parceria com o Laboratório de Estudos em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), o prêmio contemplará experiências de inclusão social de usuários e familiares em projetos econômico-sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs) e em equipes interdisciplinares da Rede de Atenção Psicossocial de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, em diversas categorias, como arte, cultura, trabalho e economia solidária. Os trabalhos enviados, de experiências individuais e coletivas, possibilitam recriar novas formas de relações sociais e de convívio com as diversidades.

Serão premiadas as experiências coletivas e individuais de usuários e familiares nas categorias arte-cultura (música, teatro, literatura, artes plásticas e audiovisuais) e experiências interprofissionais ou intersetoriais com participação de psicólogas (os) na inclusão de usuários no trabalho.

CFP regulamenta Comissão Nacional de Psicologia na Assistência Social

O Plenário do Conselho Federal de Psicologia (CFP) reconheceu a importância de formalizar a criação da Comissão Nacional de Psicologia na Assistência Social (Conpas) por meio da resolução nº 35, no último dia 17 de dezembro. Com o objetivo de fortalecer a atuação dos psicólogos no Sistema Único de Assistência Social (Suas), a comissão de caráter permanente, funciona integrada aos Conselhos Regionais de Psicologia.

Uma das estratégias  previstas para a condução das ações é a cooperação entre o Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o CFP.

Para Enrico Braga, integrante da Conpas, a ideia é dar publicidade às produções da Comissão para que a categoria possa encontrar referenciais mais sólidos para a atuação profissional no Suas. “Nossa expectativa é fortalecer o exercício profissional da Psicologia no Suas. É preciso aprimorar a formação profissional daqueles que ainda estão na graduação e a educação permanente para os profissionais que já se encontram no exercício da profissão”.

A comissão está baseada em quatro eixos de atuação: o compromisso com a atuação profissional, pensar as relações e as condições de trabalho na qual os profissionais estão sendo submetidos, a organização ético-política do profissional e a defesa e fortalecimento dos direitos socioassistenciais.

Já para o diretor do departamento de Gestão do Sistema Único de Assistência Social (Suas), José Crus, a criação Comissão Nacional de Psicologia na Assistência Social (Conpas) do Conselho Federal de Psicologia fortalece atuação do profissional de Psicologia e “vai contribuir mais efetivamente com a consolidação do Suas”. Crus destaca que a presença do psicólogo é obrigatória nas unidades da rede socioassistencial, como os Centros de Referências de Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop).

“Hoje são 23,5 mil psicólogos que atuam no Suas. Eles têm papel fundamental na assistência, pois atuam no campo relacional, apoiando a família no seu caráter protetivo e na reconstrução de projetos de vida”, disse Crus.

Conheça as ações da Conpas no site da comissão >> http://conpas.cfp.org.br/

Na semana de luta contra a homofobia, ativistas debateram as violências sofridas pelas pessoas LGBT

ed1 A luta contra todas as formas de sofrimento relacionado à orientação sexual e identidade de gênero foi tema de mesa de conversa promovida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) na última sexta (22), em Brasília. O debate, transmitido via Internet, contou com a participação de ativistas dos movimentos sociais, que falaram sobre as violências simbólicas e físicas vividas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros e pessoas intersexuais e suas relações com a Psicologia. O evento marcou a semana em que se comemorou o Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, 17 de maio.

Apesar de as homossexualidades terem sido despatologizadas ainda na última década do século XX, estas populações ainda vivem, diariamente, constrangimentos, discriminação e vários tipos de sofrimento. Presente ao debate, Carlos Magno Fonseca, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), destacou que a sociedade exclui os grupos que fogem à norma da heteronormatividade. “O preconceito é um mecanismo para manter uma sociedade desigual. Estamos em situação de subalternidade dentro desta sociedade.E isso tem o nome de homofobia – ou lesbofobia, gayfobia, pois existem especificidades da manifestação desses preconceitos”, ressaltou.

“A homofobia está institucionalizada quando o Estado não enxerga as pessoas LGBT ed3como uma população que tem de ter direitos e cidadania, quando o Estado não tem ações afirmativas específicas de empoderamento para esta população”, disse. Fonseca comemorou as vitórias do movimento, mas sublinhou a atuação de um setor conservador da sociedade – com grande representação no Congresso Nacional – que pretende excluir a população LGBT. Ele lembrou, ainda, que não existe no país uma lei que criminalize as pessoas que cometem crime contra as pessoas LGBT, e que, a cada 28 horas, um homossexual é brutalmente assassinado no país (dados do Grupo Gay da Bahia).

No caso das transexualidades, a situação ainda é mais complexa, pois ainda são consideradas doenças. “Temos utilizado os mecanismos de luta para a construção da retirada dessas patologias dos códigos de classificação internacional de doenças e buscado refletir, repensar as nossas práticas profissionais (da Psicologia) no direcionamento da despatologização”, declarou a psicóloga e representante da Comissão de Direitos Humanos do CFP, Rebeca Bussinger, que mediou a mesa.

ed_2Para Luciano Palhano, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat), a patologização das identidades transexuais marca a violência institucional e da sociedade perante esta população. “A homofobia se desmembra, e considero que mesmo com esta compreensão é importante marcar o sentido de que pessoas trans também podem sofrer violência dupla, homofóbica e transfóbica, pela questão do estigma. As pessoas trans, inclusive, também podem ser heterossexuais”, explicou. Ele destacou a violência simbólica diária sofrida por esta população nos olhares, gestos, negação de direitos, das identidades e das expressões de gênero. “Essa violência fere e mata, e não pode ser de forma alguma negligenciada. As pessoas trans reorganizam e desordenam a orientação de sexo e gênero, e desorganizar essa lógica é ameaçar a identidade de muitas outras pessoas, mesmo dentro do próprio movimento LGBT, isso faz com que a gente se transforme em alvo de agressão, violência e anulação”, lamenta.

A ativista Andreia Lais Cantelli, da Articulação Nacional das Travestis, Transexuais e Transgêneros do Brasil – ANTRA/PR, concordou ao apontar que a sociedade está historicamente hierarquizada pelo machismo, pela simetria de gênero e sexualidade – homem e mulher – e que existem outras possibilidades de se construir e viver práticas de sexualidade e gênero. Para ela, por não se enquadrar nesses padrões históricos, as pessoas LGBT acabam entrando em processos de exclusão, vulnerabilidade e violência.

Ela lembrou que o processo de estigmatização das pessoas transexuais e travestis se inicia já no ambiente familiar e, depois, no ambiente escolar. “As escolas estão preparadas para receber o homem com pênis e a mulher com a vagina. Este espaço não está preparado para receber as pessoas trans, que não aguentam a pressão e a violência e acabam saindo da escola, acabam sendo expulsas desse ambiente. E a escola vai dizer que a pessoa teve a oportunidade mas que ‘quis ir pra rua’. Na verdade, o processo de transfobia foi tão grande que a pessoa não aguentou a pressão e acabou por sair”, lamenta.

Já Luciano Palhano destacou, também, a violência institucionalizada por parte do Estado, com a ausência de pesquisas e políticas públicas, principalmente na área da saúde. “As pessoas não querem compreender como se configura esse corpo, quais são as especificidades que precisam ser tratadas na hormonização, na cirurgia. As pessoas trans vivem hoje no limbo onde o corpo dela não é visto, não é estudado, não é acessado. Mas o nosso lugar não é o limbo, nosso lugar é a cidadania”.

A Psicologia e o atendimento das pessoas LGBT

ed5O papel da Psicologia e o processo transexualizador foram pontos em comum na fala dos ativistas. Para eles, os (as) profissionais psicólogos (as) devem rever a atuação junto às pessoas LGBT, tomando uma postura de auxílio emocional e psíquico e fugindo de termos e procedimentos que remetem à patologização, seja nos consultórios, na educação, na saúde ou nos serviços públicos em geral. Eles apontaram, ainda, a necessidade da inclusão do debate sobre gênero e sexualidade nos currículos dos cursos de Psicologia no país.

“Os profissionais da Psicologia não podem reproduzir termos como ‘transtorno’ ou ‘disforia’. Cabe aos psicólogos garantir a autonomia, tentar produzir consciência e parar de reforçar esses termos patologizantes como ‘desconforto com o próprio corpo’”, explicou Palhano. Para ele, o (a) psicólogo (a) não deve atribuir todas as formas de sofrimento à experiência trans. “As pessoas trans vão aos consultórios e todos os sofrimentos, toda a angústia são atribuídos à experiência trans. Mas a pessoa se compõe de várias dimensões e são essas dimensões que precisam ser trabalhadas pelo profissional da Psicologia”, observou, sinalizando que os (as) profissionais precisam adotar a postura do CFP, que é do olhar despatologizante das identidades trans.

“A nota técnica do CFP é bem bacana, com olhar despatologizante em relação a outras categorias, mas não é o suficiente enquanto não fizerem com que esse olhar atravesse os profissionais de todo o país”, disse, solicitando que se criem estratégias para que a postura despatologizante chegue às universidades e serviços públicos em geral.

Para Cantelli, é preciso rever o processo transexualizador no país e o papel da Psicologia neste processo – para ela, uma “máquina de fabricação de corpos”. A representante destacou que as exigências e protocolos a serem cumpridos para o acesso ao sistema transexual no Sistema Único de Saúde acarretam outras formas e processos de violência. “Para que as pessoas transexuais entrem neste processo, devem passar por uma equipe multidisciplinar e ter seus comportamentos enquadrados dentro da norma heteronormativa. Se a pessoa trans possui ‘desvios’ que não correspondem à norma simétrica de gênero, esta pessoa não estará apta a continuar o processo transexualizador, que ainda dá ideia de começo e fim. No final, ela pode ser avaliada como transexual ou não, de acordo com os protocolos da equipe multidisciplinar”, lamenta. Para ela, o prazo para começar e terminar o processo transexualizador parece significar que, no final, a pessoa estaria “curada”.

Ela disse, ainda, que o processo transexualizador está preparado para receber apenas as pessoas que estejam dispostas a realizar uma cirurgia de mudança de sexo e que outros serviços, como acompanhamento hormonal, endocrinologia, acompanhamento médico, de orientação, não estão previstos isoladamente pelo SUS.
“As pessoas travestis e as pessoas trans são diferentes. Podem ter os mesmos anseios e trajetórias, mas não são iguais. Que os protocolos e atendimentos da Psicologia sejam mais flexíveis e não tão duros quanto é o processo transexualizador, que não contempla as diferentes vivências”, aponta.

Segundo Rebeca Bussinger, os profissionais da Psicologia podem assumir variados papeis na luta pela despatologização e contra as violências homofóbicas e transfóbicas. A mudança, para ela, deve passar pela formação profissional e pelo incentivo a pesquisas acadêmicas. “O profissional da Psicologia pode e deve conhecer não só as suas próprias resoluções, mas também de outras profissões, além daquilo que o movimento social tem pautado, inclusive se articular aos movimentos sociais. Temos o dever e o direito de estar nos espaços de luta brasil afora, trabalhando, pautando, reivindicando, enfim, questionando todos esses pontos”.

Site Despatologização das Identidades Trans e Travestis

O CFP lançou, também no dia 22, o site especial sobre a Despatologização das Identidades Trans e Travestis, projeto integrante da campanha iniciada em 2014, e que contará com vídeos, links para legislação relacionada (nacional e internacional), área com indicações de blogs/sites de trans que contam suas experiências de vida e transformações, entidades, associações, empresas, fundações amigas da questão da despatologização das identidades trans – além de área destinada a exemplos de atuação alternativa de psicólogos e psicólogas nos ambulatórios e equipes do SUS. Conheça o site aqui.

Assista ao debate:

 

Câmara dos Deputados debate com a sociedade Psicologia e orientação sexual

A Resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que orienta profissionais da área a não patologizar a cura de homossexuais, será tema de um videochat no site da Câmara dos Deputados nessa quinta-feira (20), a partir das 16h. Os cidadãos poderão debater o Projeto de Decreto Legislativo (PDC), de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), que propõe revogar artigos da Resolução do CFP.

Durante o debate, o relator da proposta na Comissão de Seguridade Social e Família, deputado Roberto de Lucena (PV-SP), vai ouvir a sociedade e acatar sugestões de mudanças no texto. Por isso, é importante que psicólogas (os) de todo o país se mobilizem para defender essa importante resolução do CFP. Para participar do videochat, acesse o portal Câmara Notícias pelo link e clique no banner. O link estará disponível apenas no horário do bate-papo.

O PDC estava na pauta da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados desta quarta-feira (19), mas não foi votado pelos parlamentares. Como essa foi a última sessão do ano, a proposta será votada pela comissão apenas em 2013. Na semana passada, o relator, deputado Roberto de Lucena, apresentou parecer favorável ao projeto.

A Resolução orienta profissionais da área a não usar a mídia para reforçar preconceitos contra os homossexuais nem propor tratamento para curá-los. A homossexualidade deixou de constar no rol de doenças mentais classificadas pela Organização Mundial da Saúde há mais de 20 anos, no entanto, ainda há pessoas que insistem em tratá-la como patologia e propõem formas de cura.