Quando nossas vidas importam: CFP participa de seminário LGBT

A conjuntura política brasileira impede o avanço das demandas da população LGTB. A análise dos participantes do 14º Seminário LGBT do Congresso Nacional, realizado nessa quarta-feira (13/6), em Brasília, foi unânime. Durante o evento, parceria de oito comissões temáticas da Câmara e do Senado, a audiência destacou a pauta conservadora e antidemocrática do Congresso Nacional e do governo brasileiro.

Sandra Spósito, representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP), convidou todas (os) as (os) participantes para defender a Resolução CFP 01/99, destacou que a Psicologia não trata a homossexualidade como doença e que o entendimento sobre a transexualidade segue o mesmo caminho.

Parlamentares e representantes de movimentos sociais LGBT falaram da necessidade de conter o avanço conservador no Congresso Nacional. O deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) explicou que a proposta do evento era enumerar ideias para proposições legislativas e estratégias políticas que possam impedir que projetos que tentem “barrar nossa cidadania” sejam aprovados. “Os artistas, os trabalhadores da cultura e os movimentos sociais estão nas ruas pedindo diretas já e essa luta nos diz respeito, porque só a democracia pode garantir o avanço da luta da comunidade LGBT por cidadania plena.”

Tensionamentos – A deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ) falou sobre as lutas para barrar projetos de Decretos Legislativos que buscam sustar os efeitos da Resolução CFP 01/99. Para a parlamentar, “doentes são os homofóbicos. Doentes são os LGBTfóbicos”. O deputado Bacelar (Pode-BA) citou, entre as medidas conservadoras, a retirada pelo Ministério da Educação das expressões “identidade de gênero” e “orientação sexual” da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Em seguida, Andrey Lemos, da União Nacional LGBT (UnaLGBT), a conselheira Sandra Spósito, Thais Paz, do Coletivo LGBT do Movimento dos Sem Terra (MST), Marina Reidel, da Coordenação LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, e dom Maurício Andrade, bispo da Diocese Anglicana de Brasília, fizeram a mediação do debate com o público.

Sandra Spósito disse que o avanço das visões conservadoras e fundamentalistas afetam diversos espaços de atuação da Psicologia e provoca tensionamentos. Ao lembrar a tramitação do Projeto de Decreto Legislativo 539/2016 que busca sustar a Resolução 01/99, disse que essas iniciativas de retorno às concepções patologizantes significam retrocesso à garantia de direitos e alimentam visão distorcida e preconceituosa das expressões homossexuais. Spósito contou que o CFP defende o processo de despatologização das identidades trans. “As pessoas trans precisam de cuidados relacionados aos diversos processos de mudanças corporais, mas isso não significa que estejam doentes.” Ela falou ser necessário articular esforços para enfrentar tentativas de legislar em prol da patologização das pessoas LGBT. “Temos que mobilizar todo mundo. Isso é uma pauta da Psicologia, das profissões da área da saúde, do movimento LGBT, das famílias LGBT, e de um projeto de sociedade baseado na prerrogativa da diversidade e dos direitos humanos.”

Cotidiano – Spósito destacou também que esse tipo de conflito não atinge somente a Psicologia, mas outras profissões, como o Serviço Social, e ramos da Educação e da Saúde, nos quais os profissionais estão sendo confrontados no seu cotidiano e necessitam responder a temas como o respeito ao nome social e à diversidade sexual.

Em março, representantes de diferentes conselhos profissionais decidiram, durante reunião em Brasília, articular ações para defender a Resolução CFP nº 01/1999, que estabelece normas de atuação para psicólogas (os) em relação à orientação sexual. A decisão foi tomada na sede do CFP por dirigentes da autarquia e representantes do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselho Federal de Farmácia (CFF), Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso), Conselho Regional de Psicologia da Bahia (CRP-03), Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee) e Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi).

Assista os vídeos 1 e 2 do XIV Seminário LGBT do Congresso Nacional:

Saiba mais:

Em defesa da Resolução 01/1999

CFP participa de reunião de conselho de combate à discriminação LGBT

CFP apoia posicionamento da ALGBT sobre censura de livros didáticos em Rondônia

Com informações da Agência Câmara de Notícias.

Vídeo aprofunda debate sobre Psicologia e a despatologização das identidades trans

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou, no último dia 29, o vídeo “A despatologização das transexualidades e travestilidades pelo olhar da Psicologia – Parte II”, que traz um debate aprofundado sobre a atuação da Psicologia em relação à despatologização, abordando a responsabilidade dos (as) psicólogos (as) nos consultórios, ambulatórios, no sistema único de saúde, pesquisas acadêmicas e serviços públicos. A peça audiovisual faz parte de série realizada pela campanha “Despatologização das Identidades Trans e Travestis”.

No formato de entrevista, o vídeo conta com a fala de psicólogos (as) e acadêmicos (as), que falam do papel ético, político e profissional da categoria na luta pela despatologização, trazendo à luz as dificuldades enfrentadas, como a formação precária dos (as) psicólogos (as) em relação às temáticas de diversidade de gênero e sexual, a vinculação à psiquiatria no fornecimento de diagnósticos, problemas das pessoas trans e transexuais no acesso ao sistema de saúde, assim como a importância da valoração da experiência das pessoas que vivem as transformações de todas as formas, frente ao conhecimento científico e profissional.

Para os (as) entrevistados (as), os profissionais da psicologia e estudantes devem assumir seu papel em busca pela despatologização dos diagnósticos no Brasil. Membro da Comissão de Direitos Humanos do CFP, o professor e doutor Marco Aurélio Máximo Prado (UFMG) destaca o caráter patologizante na formação recebida pelos (as) psicólogos (as) nas universidades em relação aos temas da diversidade sexual e de gênero. “A história da psicologia normatiza e patologiza as sexualidades e as transexualidades. Hoje o nosso fazer está completamente regulado pela posição da Psiquiatria, que não é a nossa (posição)… estamos fazendo um trabalho que não é nosso, estamos fazendo um trabalho que a Psiquiatria decidiu sobre as transexualidades como um transtorno mental e transtorno sexual”, lamenta. Para o psicólogo, deve-se desconstruir e  questionar a atual formação e posicionamento da categoria.

O CFP e os entrevistados consideram que despatologizar as identidades significa ampliar os direitos de acesso à saúde e cidadania, e não limitar. “Essa ideia de que é importante ter um diagnóstico, porque isso permite às pessoas ter acesso à saúde, é uma ideia falsa, porque há muitas possibilidades de acesso à saúde que não passam por nenhum diagnóstico de patologia, como a gravidez, por exemplo”, destacou Prado. “Esse argumento de que se precisa da patologização para o acesso ao serviço e é por isso que a gente faz, tem que desconfiar um pouco disso. Qual o papel ético/político do psicólogo no sentido da desconstrução desta patologização? Se o psicólogo é um profissional de saúde mental, ele vai ter um papel preponderante aí nesta desconstrução”, reforçou no vídeo a professora, coordenadora do Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Anna Paula Uziel.

A parte II do vídeo traz, ainda, um panorama sobre a atuação dos ativistas na luta por direitos igualitários na história da sociedade e, mais especificamente, na luta pela despatologização. Citando os movimentos sociais, como o negro, o feminista e o LGBTTT o vídeo fala das conquistas e avanços já realizados na busca pela igualdade, pela legitimidade das relações, pelo direito à diferença, ao reconhecimento das equivalências sociais, e à visibilidade em vários espaços sociais e na ciência.  Para os (as) entrevistados (as), é essencial que a Psicologia valorize a experiência de quem fala – dos transexuais e dos travestis.  “Os movimentos feministas, os movimentos LGBTs, passaram anos e ainda passam, tentando descolar a sexualidade de reprodução, orientação sexual de identidade de gênero. Quando a gente faz essa junção para falar da necessidade da adequação entre o corpo e o gênero, isso me parece um grande retrocesso”, ressaltou Uziel.

A professora doutora Tatiana Lionço (Universidade de Brasília – UnB) também opina que narrativas psicológicas sobre transexualidade devem ser levadas em consideração pela ciência. “Eu acredito em uma Psicologia que leve em conta, fundamentalmente, as vozes dos sujeitos na construção dos discursos psicológicos sobre esses sujeitos (eles próprios). Nós não podemos retroceder nesse ponto… são as pessoas transexuais que nos ensinam sobre a transexualidade, e não o contrário. Por que o afã tecnicista faz com que muitos profissionais coloquem a voz da pessoa trans em segundo plano, aí eles vão se revestir de todo um arcabouço ‘conceitual’, que muitas vezes faz com que eles não consigam escutar o que a pessoa trans tem a dizer”, destacou.

Campanha

Participam ainda das entrevistas a professora Jaqueline Gomes de Jesus, doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações (UnB) e o professor Emerson Fernando Rasera (USP). Dividido em duas partes, o primeiro episódio de “A despatologização das transexualidades e travestilidades pelo olhar da Psicologia” abordou os problemas vividos pelas pessoas trans e travestis e a patologização de suas identidades. Estas peças videográficas terão prosseguimento com os títulos “A luta pela despatologização no mundo”, sobre o avanço da ciência, o histórico e momento atual e a luta e organização de movimentos sociais pela despatologização; e “Visões diversas da despatologização no Brasil”, em que será abordada a realidade brasileira, a visão das pessoas trans e as dificuldades do sistema de saúde brasileiro, além de possíveis alternativas.

As peças audiovisuais fazem parte de campanha em prol da despatologização das identidades transexuais e travestis, iniciada em 2014 pela autarquia, que conta com a realização de debates e um site especializado no tema (despatologizacao.cfp.org.br)

Assista:

Parte I

Parte II

Dia da Visibilidade Trans: entrevista com Leonardo Tenório

Dia 29 de janeiro é celebrado o Dia da Visibilidade Trans. Criada em 2004 pelo Ministério da Saúde, a data surgiu com o movimento de travestis e transexuais do Brasil. Na época, o ministério lançou  a campanha “Travesti e Respeito” em reconhecimento à dignidade dessa população.  Ainda hoje, a população brasileira de travestis e transexuais tem grande dificuldade no acesso à educação, ao trabalho e à saúde, assim como sofre violência e é desrespeitada de forma contumaz.

O CFP está publicando entrevistas com pessoas trans sobre a importância deste dia. Confira, abaixo, a realizada com Leonardo Tenório, que trabalha no Espaço Trans do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e foi presidente da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT).

Em novembro de 2014, o CFP iniciou campanha de comunicação em apoio à luta pela despatologização das Identidades Trans e Travestis, ação em que profissionais da psicologia,  pesquisadores e pesquisadoras, ativistas, pessoas transexuais e travestis  são convidados (as) a debater o fazer psicológico no processo de transexualização, à luz dos Direitos Humanos, bem como do panorama dos debates políticos em torno da luta no Brasil e no mundo. Além de vídeos  sobre o tema, a campanha conta com a realização de debates online e um site especial: http://despatologizacao.cfp.org.br/

1. Qual a importância desse dia da visibilidade para a luta pelos direitos humanos das pessoas trans?

Leonardo Tenório – O dia da visibilidade trans no Brasil serve como um momento de dizermos que nós existimos. Por incrível que pareça, nós não somos poucos. Estamos em todos os municípios e bairros e existimos em todos os períodos históricos da humanidade e em todos os continentes. A verdade é que a sociedade é tão preconceituosa conosco que vivemos em guetos, em bolhas sociais em que só frequentam as próprias pessoas trans, lésbicas e gays simpatizantes, pessoas que estudam gênero e sexualidade, movimentos sociais, profissionais do sexo etc. Muitas travestis ainda têm o hábito de só saírem de suas casas à noite. O preconceito é tão grande que não transitamos livremente na sociedade como pessoas cisgêneras fazem. Ou por conta do preconceito mesmo, em espaços de sociabilidade e de lazer, ou em espaços de garantia de direitos sociais, como instituições de ensino, estabelecimentos de saúde, mercado de trabalho formal, órgãos públicos ou empresas privadas – em função da grande quantidade de vezes em que somos desrespeitados ou constrangidos em função de nossa identidade de gênero.

Leonardo2. Qual são os maiores desafios na luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas trans?

Leonardo Tenório – Os maiores desafios da visibilidade trans são passar para a população em geral que nós somos seres humanos como quaisquer outros; e que nossa identidade de gênero trans é uma forma de ser humano. Não é anormal, perversa ou patológica – como o preconceito da transfobia leva as pessoas a acreditarem. Somos pessoas comuns que precisamos de afeto, família, trabalho, estudo, lazer, renda, moradia etc.

3. Como a Psicologia pode, na sua visão, participar ainda mais nessa luta?

Leonardo Tenório – A Psicologia poderia ajudar as pessoas trans encampando a luta pela Despatologização das Identidades Trans nos conselhos de classe, associações profissionais e cursos de psicologia; também criando redes de psicólogos e psicólogas que possam atender respeitosamente as pessoas trans em seus consultórios no particular, no SUS e nas universidades. Em função do sofrimento decorrente de diversas situações de preconceito e abandono, muitas pessoas trans possuem demanda psicoterápica – além de precisarmos da emissão de laudos ou relatórios psicológicos para subsidiar cirurgias transexualizadoras e ações judiciais para mudança de prenome e sexo nos documentos; e ainda pensando no atendimento, que o profissional da Psicologia se negue a realizar diagnóstico de transexualidade. Nossa forma de ser não é uma doença. Nenhum profissional da saúde tem a capacidade de saber qual é a identidade de gênero de uma pessoa. Só quem pode dizer quem ela é, e como ela quer se apresentar socialmente e se deseja realizar uma ou outra modificação corporal, em que momento e como, é a própria pessoa trans. Empoderamento para saber lidar com as normas de gênero impostas pela sociedade heterocisnormativa e, assim, utilizar sua autonomia para promover a própria saúde, são as chaves para que pessoas trans consigam ter efetivo cuidado de sua saúde mental e integral, na minha opinião.

4. Qual a importância de campanhas como essa de um Conselho profissional?

Leonardo Tenório – É importante que os conselhos profissionais, como o CFP, participem da luta pela saúde de todos e das minorias populacionais, como a de transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, pois acredito fazer parte de sua missão e do propósito da existência da própria categoria profissional.

 

Dia da Visibilidade Trans: entrevista com Eric Seger

Dia 29 de janeiro é celebrado o Dia da Visibilidade Trans. Criada em 2004 pelo Ministério da Saúde, a data surgiu com o movimento de travestis e transexuais do Brasil. Na época, o ministério lançou a campanha “Travesti e Respeito” em reconhecimento à dignidade dessa população.  Ainda hoje, a população brasileira de travestis e transexuais tem grande dificuldade no acesso à educação, ao trabalho e à saúde, assim como sofre violência e é desrespeitada de forma contumaz.

O CFP está publicando entrevistas com pessoas trans sobre a importância deste dia. Confira, abaixo, a realizada com Eric Seger, bolsista no Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero da UFRGS e membro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat).

Em novembro de 2014, o CFP iniciou campanha de comunicação em apoio à luta pela despatologização das Identidades Trans e Travestis, ação em que profissionais da psicologia, pesquisadores e pesquisadoras, ativistas, pessoas transexuais e travestis  são convidados (as) a debater o fazer psicológico no processo de transexualização à luz dos Direitos Humanos, bem como do panorama dos debates políticos em torno da luta no Brasil e no mundo. Além de vídeos sobre o tema, a campanha conta com a realização de debates online e um site especial: http://despatologizacao.cfp.org.br/

1. Qual a importância desse dia da visibilidade para a luta pelos direitos humanos das pessoas trans?

Eric Seger – Não é muito comum que existam representações de pessoas trans na sociedade como pessoas de direitos iguais. Cotidianamente vemos notícias sobre assassinatos de travestis em que é utilizado o nome de registro pra se referir à vítima, além de um descaso com a investigação do crime, como se aquela vida tivesse menos valor. Os modelos de entendimento dos seres humanos se baseiam em um dimorfismo sexual que compreende apenas como inteligível ser homem cisgênero ou mulher cisgênera, por isso é importante ter esse dia da visibilidade trans como uma forma de evidenciar que nós existimos e que exigimos os mesmos direitos que devem ser garantidos a todos seres humanos. Através dessa visibilidade podemos modificar a compreensão cultural de alguns pontos, como, por exemplo, de que pessoas trans são um terceiro sexo/gênero. Exigimos podermos ser reconhecidos como homens, mulheres, Eric3travestis, pessoas não binárias, com nossas particularidades, mas dentro do mesmo espectro em que homens e mulheres cisgênero também apresentam características diversas. E, assim, lutamos pelos mesmos direitos que deveriam ser de todos seres humanos.

2. Qual são os maiores desafios na luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas trans?

Eric Seger – Os desafios estão relacionados ao preconceito e à compreensão. Quando alguém, por motivos de crença individual e/ou aprendizado social, entende que uma pessoa trans não merece os mesmos direitos e não deve ser tratada de acordo com o gênero que ela revelou ser, mesmo tendo garantias de direitos no papel, o exercício destes direitos pode ser comprometido. Muitas vezes a falta de compreensão sobre o que é ser trans nos coloca num lugar de exótico, de não-humano, de doente mental. Por vezes somos reduzidos à pessoas que “não aceitam o seu sexo”, o que na minha visão é uma compreensão muito limitada e que não faz jus à complexidade do assunto, embora para muitas pessoas trans essa seja uma maneira compreensível de expressar como elas se sentem. Essas confusões atrapalham na hora de fazer valer os direitos a um nome, ao acesso à escola, à saúde etc. Inclusive o acesso a um simples banheiro pode ser comprometido, já que o que fundamenta a arquitetura e organização de banheiros está relacionado a um modelo de pensamento cissexista e heterossexista, ou seja, que prevê (e também produz) somente pessoas cisgêneras e heterossexuais como usuárias.

3. Como a Psicologia pode, na sua visão, participar ainda mais nessa luta?

Eric Seger – Como mencionei anteriormente, uma dos desafios da compreensão das pessoas trans é em relação a sermos pensados como doentes mentais. Existe a noção de que somos pessoas que “não aceitam o seu sexo”, que dizem ter “o corpo errado”. A Psicologia precisa atuar em produzir novos modelos que não dependam de uma configuração padrão de “corpo certo” para fazerem sentido, senão a única inteligibilidade possível para pessoas trans acessarem serviços de saúde é através desse sofrimento em relação a um suposto “corpo errado”. Por vezes, o que não é aceito não é o corpo de cada um, e sim o significado que se produz a partir de um corpo sexuado. E este significado pode ser modificado através de mudanças culturais e por isso também a visibilidade social é importante. A Psicologia enquanto um campo que avalia as condições de saúde mental dos sujeitos deve capacitar os/as profissionais para pensar além dos modelos hegemônicos e padrões de existir enquanto homem e mulher, e múltiplas maneiras de exercício da sexualidade, uma vez que a compreensão da legitimidade enquanto homem Eric2trans ou mulher trans por muito tempo baseou-se na sensação de rejeição do órgão genital e, portanto, um dos marcadores de legitimidade seria a não utilização do mesmo sexualmente. Isso produz novamente uma limitação naquilo que é considerado possível de ser vivido, deixando às margens da inteligibilidade que existam mulheres trans lésbicas ou homens trans gays (ou bissexuais, nos dois casos).

4. Qual a importância de campanhas como essa de um Conselho profissional?

Eric Seger – Essa campanha é importante pois os profissionais precisam saber que esta é a posição do Conselho e precisam buscar formação específica para atender demandas relacionadas ao assunto, uma vez que a formação anterior pode não ter sido adequada, considerando apenas os modelos patologizantes mencionados anteriormente. Com essa atitude, o Conselho estimula que os/as profissionais se envolvam com treinamento mais adequado e possam apresentar um posicionamento favorável aos direitos das pessoas trans, de maneira não patologizante, Também assim as pessoas trans podem estar mais asseguradas que é direito delas, sim, que o atendimento em Psicologia não as obrigue a ter uma performance de gênero esterotipada e vivências padronizadas, para que elas possam acessar seus direitos a serviços de saúde (como hormonização e cirurgias diversas) e serviços jurídicos (como troca de nome no registro civil).

Manifesto de repúdio ao PDC que visa sustar a Resolução CFP 001/1999

O CFP vem publicamente manifestar seu repúdio à forma antidemocrática com que vem sendo construído o “debate” sobre o Projeto de Decreto Legislativo 234/2011, que visa sustar a aplicação de trechos da Resolução CFP 01/1999, que estabelece normas de atuação para as(o) psicólogas(o) em relação à orientação sexual.

O projeto, de autoria do deputado João Campos –(PSDB/GO), é pauta de Audiência Pública marcada para o dia 28 de junho, por requerimento dos Deputados Roberto de Lucena (PV-SP) e Pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Quatro, dos(a) cinco(a) profissionais convidados(a) para a mesa indicam posicionamento favorável à suspensão dos artigos da Resolução e não representam instituições ou lugares de produção de conhecimento que possam garantir a necessária pluralidade ao debate.

Além disso, outros atores importantes não foram sequer convidados ao debate, como o Ministério Público e o CNCD/LGBT (Conselho Nacional de Combate a Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Conselho esse que tem a missão de propor e debater a política de direitos humanos na sua interface com a questão da diversidade sexual. Em especial, não foram convidados também segmentos do Movimento Social ou representações da sociedade civil organizada, que expressam a defesa dos direitos das pessoas LGBT.

Vale salientar que a militância LGBT congrega inúmeras entidades que vêm garantindo o avanço da promoção dos direitos humanos nas políticas públicas. A exemplo disso, citamos a recente decisão judicial da Corte Suprema do país, o STF, de reconhecer a união estável homoafetiva, como emblema da sensibilidade da sociedade brasileira e do poder judiciário.

Nesse sentido, é lamentável que audiências públicas, dispositivos de grande potência democrática, presentes na formação de opiniões, sejam desperdiçadas ao invés de ouvir diferentes atores, como preconiza o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Cabe destacar que a Resolução do CFP 001/99 é um marco internacional na defesa dos direitos humanos. Ainda no ano de 1970, a American Psychological Association retirou do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) a homossexualidade do rol de transtornos psicológicos.

Seguindo este posicionamento, dentre as organizações internacionais, em 1993, a Organização Mundial de Saúde excluiu a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde (CID 10). No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Medicina reafirma essa decisão. Inclusive, o psiquiatra Robert Spitzer, considerado o pai da Psiquiatria Moderna e conhecido pelo apoio ao uso da chamada terapia reparativa para “cura” da homossexualidade, após 11 anos, veio a público pedir desculpas às pessoas LGBT.

A norma foi construída no âmbito da regulamentação da Psicologia e rapidamente tornou-se referência dos poderes legislativo, judiciário e executivo, sendo citada como dispositivo orientador exemplar de garantia de direitos, servindo de referência para outras profissões, para instituições de ensino superior e de pesquisa.

É preocupante que um Projeto de Decreto Legislativo esteja sendo utilizado para atender interesses personalísticos ao invés de estar a serviço do bem comum. Ademais, é preciso lembrar que eventual ato de sustação pode ser objeto de questionamento judiciário, inclusive com o argumento de sua inconstitucionalidade, já que o PDC flagrantemente exorbita a função do Congresso.

O CFP reafirma a importância da construção democrática e se coloca à disposição para os debates críticos, reflexivos, construtivos e respeitosos, que refletem a real intenção de incluir todas as vozes, como sempre fez, e se nega a colaborar com falsos debates de cunho unilateral como o dessa audiência.

PELA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA NAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS! QUE ASSEGUREM TODAS AS VOZES!
PELO DEBATE RESPEITOSO QUE GARANTA OS DIREITOS HUMANOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA!

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA