Em 2023, 230 pessoas LGBTIQIA+ foram mortas de forma violenta no país, representando uma morte a cada 38 horas. Dessas, 184 foram causadas por assassinato (80%), 18 por suicídio (7,8%) e outras 28 (12,2%) em decorrência de outras motivações.
Os dados são do Dossiê 2023: Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil, apresentado ao plenário do Conselho Federal de Psicologia (CFP), na sexta-feira (17), data que marcou o Dia Internacional da Luta contra a LGBTQIA+fobia. O levantamento foi elaborado pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, que reúne um conjunto de entidades da sociedade civil de referência na área.
“Ao apontar o quanto as identidades de gênero e orientações sexuais dissidentes ainda são fatores relevantes na motivação dos crimes de ódio, com indícios de discriminação como premissa fundamental da ocorrência, e pela forma como são perpetrados, muitas vezes com requintes de crueldade, esse documento conscientiza a população, incita ao engajamento cívico e preserva a memória histórica da LGBTQIA+fobia brasileira”, registra o documento.
O dossiê também denuncia que a LGBTQIA+fobia estrutural pode levar a um intenso sofrimento ou mesmo à retirada da própria vida pela situação de vulnerabilidade, figurando entre os motivos propulsores dos suicídios mapeados pela publicação.
Para o conselheiro e titular do CFP na Comissão Nacional de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (CNAIDS), Roberto Chateaubriand, “sob a ótica da Psicologia, as mortes e violências revelam o impacto que os diversos aspectos da intolerância LBGTQIA+fóbica produzem na construção de subjetividades, que tornam corpos LGBTQIA+ vulneráveis ao ódio e à diferença percebida diante de um padrão arbitrário de comportamento que tem a heterossexualidade como norma”, pontua.
Psicologia e População LGBTQIA+
A Psicologia brasileira tem atuação histórica em defesa da promoção de direitos da população LGBTQIA+. O conselheiro Chateaubriand lembra que, em vigor há mais de duas décadas, a Resolução CFP 01/1999 – que define normas de atuação para a categoria em relação à questão da orientação sexual – foi e ainda é decisiva para o compromisso ético da Psicologia com o reconhecimento da diversidade presente na orientação sexual dos sujeitos como vivências e expressões legítimas e merecedoras de abordagens despatologizantes.
“A Resolução CFP 01/1999 abriu caminho, ao longo de seus 25 anos de vigência, para a institucionalização do debate sobre direitos LGBTQIA+ nas mais diversas esferas políticas, produzindo efeitos para além de seu escopo original, a saber, normatizar o exercício profissional baseado nos direitos humanos e na ética do cuidado do sujeito, reconhecendo que o sofrimento das pessoas LGBTQIA+ se lastreia mais nas opressões e violências vividas no seio de uma sociedade assentada em valores machistas, patriarcais e heteronormativa do que na inadequação psíquica dessas pessoas diante de suas orientações sexuais e/ou identidade de gênero”, destacou o conselheiro.
Roberto Chateaubriand ressalta que a escolha do CFP como interlocutor para o debate de formas de enfrentamento à LGBTQIA+fobia se traduz como reconhecimento ao trabalho histórico da instituição no sentido de materializar o seu compromisso ético de respeito aos direitos humanos e de reafirmação do direito ao livre exercício da sexualidade, nas suas mais diversas expressões.
“Ser parceiro dos movimentos sociais na luta por uma sociedade igualitária, respeitosa e acolhedora em que todos, todas e todes encontram lugar, livres de violência física, moral ou psicológica, coroa os esforços e trabalho de uma categoria compromissada com a vida”, finalizou Chateaubriand.
Compromisso ético da Psicologia
A Psicologia, enquanto ciência e profissão, tem historicamente se posicionado em defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+. Nessa direção, o CFP ocupa lugar de referência na promoção de ações relacionadas à defesa dessas populações, realçando que as homossexualidades e as expressões trans não podem ser tratadas como patologias.
A Resolução CFP nº 1/1999 formalizou a compreensão de que a sexualidade é uma construção subjetiva do sujeito e, por isso, as homossexualidades não constituem doença, distúrbio ou perversão.
Ao longo dos anos, a normativa passou a representar um marco para a Psicologia brasileira, abrindo caminho para outras resoluções voltadas à atuação profissional da categoria em temas relacionados às orientações sexuais, identidades e expressões de gênero.
Confira algumas publicações do CFP que abordam a temática:
Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs
Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas, Psicólogos e Psicólogues em Políticas Públicas para População LGBTQIA+
Código de Ética Profissional das Psicólogas e dos Psicólogos
Sobre o Observatório
O Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil é uma instância da sociedade civil autônoma, protagonizada pela parceria entre a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Acontece – Arte e Política LGBTI+ e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). Desde 2020, essas instituições têm sistematizado dados sobre as violências e as violações de direitos sofridas pela comunidade LGBTQIA+ brasileira.
As informações são apresentadas à sociedade como forma de denúncia, fornecem evidências para a formulação e execução de políticas públicas alinhadas com as demandas civis referentes ao combate à LGBTQIA+fobia contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas, pessoas não-binárias e demais dissidências sexuais e de gênero.